quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

 


INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1945 

APLICOU ILEGALMENTE O  ACENTO CIRCUNFLEXO (^) 

SOBRE TOPÓNIMO  CASTANHEIRA DE PERA.

ENVIADOS AO JORNAL OFICIAL VARIOS DIPLOMAS

CIRCUNFLEXOS   



1| Vem de 1911 a legislação sobre a aplicação do acento circunflexo «^» na «pêra botânica». 
A ortografia portuguesa chegou à monarquia constitucional ainda descoordenada, despadronizada. Foi então que dois filólogos tomaram a iniciativa privada de publicar em 1885 as «Bases da Ortografia Portuguesa», um volume de 16 páginas impresso na Imprensa Nacional «para circular gratuitamente». Este trabalho está on line e foi precursor da escrita oficial no início da I República. De facto, por portaria do Ministro do Interior de 15/2/1911, (in DG nº 39 de 17/2/1911) foi nomeada uma comissão de eminentes personalidades para providenciar pela uniformização da ortografia oficial. A comissão apresentou o seu relatório com a ortografia proposta, com a qual Governo concordou e, por portaria do mesmo Ministro de 1/9/1911, (in DG nº 206 de 4/9/1911) foi mandada publicar no jornal oficial para ser seguida nas escolas, documentos e publicações oficiais. Veio a ser publicada no «DG nº 213 de 12/9/1911, on line. Consta de três partes, sendo pertinentes para o caso a base XXIX e a regra nº 90/f em que se manda grafar com acento circunflexo («^») o vocábulo «pêra» para se diferenciar da antiga preposição «pera». Todavia,


2| Em 1914 as leis da criação do concelho não seguiram o acento circunflexo «^». Apesar da proximidade temporal (1911-1914) o certo é que no Parlamento (Comissões, Câmara Deputados, Senado e Congresso da República) nos projetos, discussão e na lei nunca se marcou o nosso topónimo com o «^» da «pêra botânica» (fruto da árvore).  Continuou-se a escrever «Castanheira de Pera» sem «^», como se alcança das actas dos debates parlamentares.  Vejamos então as leis da fundação do concelho.

 2.1Criação. Desde logo a Lei nº 203 de 17/6/1914 in DG nº 99 – I Série, on line. É a Lei criadora/fundadora do concelho de Castanheira de Pera. Uma Lei que cria um concelho cria também o seu topónimo (nome oficial). (Tal como um assento de nascimento no registo civil cria o nome do registado). E no corpo da Lei 203 ficou, por três vezes, inserido o topónimo «Castanheira de Pera» sempre sem «^». 

2.2| Instalação. Logo a seguir veio o diploma da instalação, o Decreto de 27/6/1914, in DG – II Série nº 151 de 1/7/1914, com a lista da comissão instaladora.  Mais duas menções de «Castanheira de Pera», uma no sumário e outra no corpo do decreto sem qualquer «^». (Este diploma, para além da listagem, é também confirmativo: o concelho de Castanheira de Pera foi «criado» em 17 de junho de 1914).

2.3| Bandeira.  Mais tarde, pelo Ministro do Interior, a Portaria nº 8.093 de 30/4/1935, in DG nº 98 – I Série, on line, com a constituição heráldica da bandeira, armas e selo do Município. Também aqui foi inserido por quatro vezes, o topónimo «Castanheira de Pera», uma no sumário e três no corpo da portaria. Tudo sem «^».

2.4| A motivação pela qual em 1914 o Congresso da República não seguiu o «^» da «pêra botânica» não consta das atas.  Mas terá resultado dalgum destes juízos:  a| Que o «^» se destinava somente à «pêra» comum e não aos nomes próprios. b| Da etimologia (origem) dos vocábulos. A pera botânica (fruto da árvore) provem do étimo latino «pirum, pira», (som fechado), enquanto a pera geológica (pedra da montanha) provém do étimo grego/latino «petra, petrae» (pedra), (som aberto). Sendo que o topónimo «Castanheira de Pera» provém de «Castanheira (da Ribeira) de Pera»; «Ribeira de Pera» provém da «Selada de Pera» de onde tomou seu nome; «Selada» que significa «concavidade oblonga” numa montanha de pedra, (petra); «petra» que evoluiu petra, pedra, péra, pera, Pera; («petra» som aberto incompatível com um «^»). c| Ou simplesmente da constatação de que face a estes três vocábulos (pêra, pera, Pera) é fácil distinguir o fruto, o topónimo e a preposição antiga (pronúncia p’ra), sem necessidade de mais acento diferencial. Acentuando «^» também a «Pera» (topónimo) como é que depois se distinguem as duas peras (pêra e Pêra) entre si? Pela maiúscula! Então usar aqui o «^» seria uma inutilidade prática.  

  

3| «Fica revogada a legislação em contrário». Durante a monarquia constitucional e a primeira república era uso os diplomas legais findarem com a fórmula: «Fica revogada a legislação em contrário». Isso aconteceu até com a própria Lei 203. Mas esta fórmula veio a tornar-se inútil, dado as múltiplas interpretações que permitia. Por isso em 1933 o legislador veio a fixar o critério da revogação expressa nestes termos: «Só podem empregar-se nos diplomas de caracter legislativo fórmulas de revogação expressa» (Artº 10º do Decreto nº 22.470 de 11/4/1933, in DG nº 83- I Série, on line). Para Castanheira de Pera isto é importante face ao que veio em 1945.  

 

4| A Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. A repetição da pêra botânica. Entretanto é concluído o Acordo Ortográfico de 1945 (AO1945), trabalho da Academia de Ciências de Lisboa e Academia Brasileira de Letras, reunidas em Conferência Interacadémica de Lisboa, que o Governo Português aprovou e mandou executar nos termos do Decreto nº 35.228 de 8/12/1945, on line no DG/273/IS e no dicionário priberam. Este novo Acordo contém na Base XXII a mesma regra do «^» de 1911 para distinguir a «pêra» substantivo da «pera» preposição arcaica.  Assim era de aguardar, à semelhança de 1914, que a regra fosse dirigida apenas à «pêra» comum. Sucede que desta vez saiu para o campo uma segunda forma de grafar o topónimo concelhio deste jeito: «Castanheira de Pêra». Perante isto cumpria proceder, em tempo, a uma interpretação conjugada dos dois regimes ortográficos (1911 e 1945) com dois diplomas intercalares (1914 e 1933) publicados de permeio, a saber.  

4.1| Diplomas intercalares.  A| O primeiro quando em 1914 o Congresso da República pela Lei nº 203 não só não seguiu o critério «^» da pêra botânica de 1911, como consagrou o critério da pera geológica ao criar o topónimo «Castanheira de Pera» sem «^». B| O segundo quando em 1933 o legislador, pelo dito Decreto 22.470 decretou o regime da revogação expressa. | Ora percorrendo todo o AO1945 verifica-se que nele se citam e atualizam dezenas de topónimos, mas nada consta do topónimo Castanheira de Pera ou seu elemento Pera. (Como vg se fez na mesma Base XXII com o elemento «Côa» do topónimo Vila Nova de Foz Côa»). Significa isto que, sem alteração expressa alguma, o topónimo mantem-se firme e em pleno vigor dentro da Lei nº 203. C| A este quadro legal acresce uma norma diplomática fonte do AO1945.  A Delegação Brasileira à Conferencia Interacadémica de Lisboa trouxe um «Formulário Ortográfico» de Instruções (on line in priberam), cujo ponto 42 consigna que «Os topónimos de tradição histórica secular não sofrem alteração alguma na sua grafia…».  É o caso da Ribeira de Pera que há mais de 400 anos, desde a criação da Paróquia de S. Domingos em 1506, tem sido a grande referência desta região. Com 4 séculos de história escrita e falada o elemento «Pera» tem legado histórico suficiente para não ser equiparado a qualquer pêra botânica, debaixo de igual «^». Em diplomacia vale o princípio da reciprocidade.

  

5|Tratado internacional? Na hierarquia das leis o intérprete 1945 pode ter qualificado o AO1945 como um tratado internacional, acima da lei ordinária nacional (revogação tácita). Negativo. O AO1945 tratou-se dum acordo oficioso, obtido e assinado entre academias, para depois ser presente aos respetivos governos, «para os fins convenientes».  No Brasil nem chegou a vigorar.  Em Portugal entrou em vigor pelo referido Decreto nº 35.228 de 8/12/1945, que constitui legislação ordinária corrente.  

   

6| Interpretação conjugada x Interpretação literal.  Uma vez aqui chegados temos que a interpretação adequada teria sido a que conjugasse todos os elementos conexos (de facto e de direito) e daí extraísse a conclusão de que a Lei nº 203 se manteve sempre em vigor com a sua forma oficial de escrever «Castanheira de Pera», sem «^».  Já numa interpretação literal, desconectada, sem distinguir «grafia única» de «acentuação única», teve-se que o «^» da pêra botânica migrou para Pera geológica e dessa feita o topónimo concelhio andou no mercado deste jeito «Castanheira de Pêra».  Ora isto foi um erro e, enquanto se não mostrar que a Lei nº 203 fora expressamente alterada, uma ilegalidade. Sem prejuízo de, na escrita privada, cada um escrever como entender.        


7| O Acordo Ortográfico de 1990 x As mazelas que ficam do anterior. Entretanto é aprovado e publicado o novo Acordo Ortográfico 1990. Este sim é constitucionalmente um tratado internacional, porque acordado e assinado entre Estados.  Publicado no «DR» /193/IS-A/23/8/1991 está também on line no dicionário priberam. Por Resolução Conselho Ministros nº 8/2011 (in «DR» /17/IS/25/1/2011) é de aplicação nos serviços oficiais desde janeiro/2012. Neste acordo caiu o «^» na pera botânica e, reflexamente, o migrado para a pera geológica. Mas ficam as mazelas, não na pera botânica, mas no topónimo concelhio.   1| Nas Bibliotecas públicas e privadas dicionários, enciclopédias e publicações circunflexas continuam disponíveis para consulta e estudo, suscetíveis de induzir em erro quem as manusear. 2| A sinalética rodoviária nalgumas vias de acesso ao concelho ainda se mostra circunflexa e na internet alguns sites ainda vêm de «^».  3| No jornal oficial a variante ortográfica esteve presente até ao atual AO1990 e mesmo na vigência deste ainda chegam diplomas grafados «^». (Aqui ajudaria o site «INCM. Grafia nova»). || Agora o que se pode haver da variante «^» é conhecer factos da História concelhia. Para tanto:  a) Abrir a página on line do «Diário da República» e, na janela de pesquisa «o que procura» inserir Castanheira de Pera e fazer enter; b)  De seguida clicar em simultâneo nas duas teclas Ctrl+f e, na  janela que se abre, inserir de novo «Castanheira de Pera». Marcadores acionados. Agora é ir navegando e conhecer! 

                                                                                                                Fn                                                                                                                                                                                                                                                                           

PS. 

Este nosso texto revê e atualiza os anteriores.                                                                                                                                                                                                                                

                               

LINKS :

1885. Bases da Ortografia Portuguesa

1911. Relatório Ortografia Portugesa

1914. Lei 203. Criação concelho C.Pera

1914.Comissão Instaladora concelho C.Pera

1935. Portaria Bandeira concelho C.Pera

1933. Decreto da revogação expressa  

1945. Acordo Ortográfico priberam

1945. Acordo Ortográfico. Diário Governo

1945. Formulário Instruções Brasileiro

1990. Acordo Ortografico priberam 

1990. Acordo Ortográfico. Diário Republica

2011. Resolução Conselho Ministros nº 8

INCM. Grafia Nova para o Diário República


 


(in «O Ribeira de Pera» edição impressa de 30 novembro 2024) 


segunda-feira, 9 de setembro de 2024

 


 

 DOS PRIMEIROS 708 ANOS DO TERRITÓRIO CASTANHEIRENSE

(De fevereiro de 1206 a junho de 1914).

·       Alguns eventos neste ínterim



1| 1206. Termo. O estatuto político-administrativo do território do atual concelho de Castanheira de Pera começou no sec. XIII como termo do foral de Pedrógão de fevereiro de 1206, concedido por D. Pedro Afonso, filho bastardo de D. Afonso Henriques.  (O latifúndio ter-lhe-á sido doado por D. Sancho I, seu meio irmão de quem fora alferes-mor do reino). Já se tem ocasionalmente referido que a Castanheira teve foral. Negativo. Nem a Castanheira, nem Coentral, Vila Facaia ou Graça tiveram foral algum. Foi tudo termo/alfoz do foral de Pedrógão de 1206. Termo/alfoz significam os limites e os arrabaldes da povoação sede, titular do foral, no caso Pedrógão Grande. Este foral foi, três séculos mais tarde, revisto pelo foral manuelino de 1513, mas sem mexidas nos limites territoriais. E assim se manteve nos séculos seguintes até ao liberalismo. 


2| Paróquia. 1502.  No campo eclesiástico, porém um acontecimento de relevo ocorreu aqui no sec. XVI: a criação da paróquia de São Domingos e a construção da sua Igreja Paroquial. O processo é conhecido, nele se envolveram moradores de todos os lugares, incluindo Coentral, sempre identificados como «moradores na Ribeira de Pera». A tramitação iniciou-se em 15/11 (cabido), prosseguiu a 4/12 (procuração) e culminou em 8/12/1502, com a criação da Paróquia de São Domingos, por ato lavrado perante tabelião e notário público em Coimbra. Esta criação trouxe para a «Castanheira da Ribeira de Pera» uma grande autonomia religiosa relativamente à Paróquia de Santa Maria do Pedrógão cuja igreja, porém continuou matriz.

         

3| 1545/1563. Concílio de Trento. Ainda no eclesiástico. Cidade de Trento, norte da Itália. Destinou-se a discutir as grandes questões da reforma e contrarreforma. Dentre as decisões tomadas uma delas foi a de tornar obrigatório nas igrejas católicas o registo dos batismos e casamentos em livro próprio. Mais tarde (1614) o papa Paulo V ordenou também o registo dos óbitos. Isto interessa às paróquias da Castanheira e Coentral. Estes seus livros encontram-se atualmente no ADL a saber, Castanheira: batismos 1627/1911, casamentos 1632/1911, óbitos 1691/1911. Coentral: batismos 1691/1911, casamentos 1691/1911, óbitos 1691/1911. Grande parte dos batismos já se encontra digitalizada e acessível on line. Basta abrir o portal Arquivo Distrital de Leiria e em Fundos e coleções seguir paroquiaisEis aí paróquias de todo o distrito, incluindo Castanheira e Coentral. Como se alcança pelas datas as medidas do Concílio demoraram anos a instalar-se no terreno. No caso do Coentral o ano de 1691 significa que a paróquia e a igreja já existiam e que nesse ano se passaram a lavrar registos paroquiais. Mas não é seguro que a paróquia tenha sido criada nesse ano. Pode ter sido antes. No caso da Castanheira os pedidos da paróquia e igreja foram simultâneos. E, já gora, no tocante à Diocese de Coimbra estes seus livros encontram-se no arquivo da UC. Basta igualmente pesquizar: Arquivo da Universidade de Coimbra, Fundos e coleções, Paroquiais. 


4| 1820. Liberalismo. Juntas de Paróquia. Entretanto, dois séculos e meio volvidos, eis que chega o liberalismo (1820/1910) com os seus momentos de tensão política, social, militar, eclesiástica, diplomática. As ordens religiosas são extintas por relatório e decreto de 28/5/1834 do ministro Joaquim António de Aguiar, publicados na «Crónica Constitucional de Lisboa» nº 127 de 31/5/1834, pág. 522/4, on line, no portal digigov.  O clero regular foi quase todo despejado, o secular passou como que à função pública. E as paróquias eclesiásticas transformadas em «Juntas de Paróquia» com funções mistas (civis e eclesiásticas) de predominância civil, variando conforme tendência dos sucessivos Códigos Administrativos (CA 1836, CA 1842, CA 1867, CA 1878, CA 1886 e CA 1896, todos on line. Este sistema iniciara-se com o decreto de 18/7/1835 in DG nº 169 de 20/7/1835 e durou até à República.


5| 1832. 1836. Extinção dos forais. Supressão de concelhos. Outra medida vinda com o liberalismo foi a extinção dos forais, por decreto de Mouzinho da Silveira de 13/8/1832, Paço da cidade do Porto, relatório e decreto nº 44 publicados na «Crónica Constitucional de Lisboa» nº 80 de 26/10/1833, pág. 431/434, on line, no DigiGov e na «Hemeroteca Digital».  Diploma confirmado e atualizado pela Carta de Lei de 22/6/1846 in DG nº 146 de 24/6/1846 on line.  Extintos os forais ficaram os concelhos por eles criados alguns deles pela sua pequenez e pobreza incapazes de vida autónoma. Por isso sucessivas leis foram suprimindo uns, criando outros, visando adequar a realidade territorial. Para começar foram reduzidos a 351 (suprimidos 498) por decreto de 6/11/1836, (em parte no DG nº 283 de 29/11/1836), on line. Os mapas referidos neste diploma terão sido publicados em suplementos. Mas há um recente trabalho académico da UL/GHES (2019) com os mapas de todo o país por distritos, concelhos mantidos, suprimidos, freguesias e até aldeias que transitaram. É interessante e está on line google: «repository.utl.pt o decreto de 6 de novembro de 1836», (ou wp622019.pdf). O concelho de Pedrógão Grande manteve-se com todas as suas freguesias (Graça, Vila Facaia, Castanheira e Coentral). Já vizinha freguesia de Campelo transitou de Miranda do Corvo para Figueiró dos Vinhos. Surge o primeiro (CA) Código Administrativo (1836). 

 

6| 1872. Preocupação em Pedrógão.  Mas a discussão da reforma prosseguia, o movimento de supressão de concelhos não parou e Pedrógão Grande aparece num desses projetos de extinção. Isso levou a Câmara Municipal a enviar uma representação à Câmara dos Senhores Deputados assegurando ter todos os elementos para se manter concelho, além do mais, sete bacharéis, edifício próprio, riqueza agrícola e industrial (seis fábricas lanifícios na Castanheira). Toda a Câmara assina o documento, ao tempo presidida pelo castanheirense Dr. João Alves dos Reis Morais. Deu entrada na Câmara dos Senhores Deputados em sessão nº 40 de 4/3/1872 (pág. 565/6) e o texto integral está publicado no DG nº 54 de 8/3/1872, pág. 385 on line.


7| 1895. Pedrógão suprimido. Não obstante, o concelho de Pedrógão Grande veio mesmo a ser suprimido e as suas freguesias anexadas ao concelho de Figueiró dos Vinhos pelo Artº 3º § 1º do decreto de 7/9/1895 do Ministério do Reino, in DG nº 207 de 14/9/1895, on line. Num outro diploma do Ministério da Justiça da mesma data e no mesmo DG é publicada a transferência da comarca de Pedrógão Grande para Figueiró dos Vinhos (Artº 3º § 1º). (Sendo nesse tempo a vacacio legis de 15 dias (Artº 1º da Carta de Lei de 9/10/1841 in DG nº 240 de 11/10/1841) temos que o diploma entrou em vigor no dia 29/9/1895, data em que todas as freguesias (Castanheira de Pera, Coentral, Pedrógão Grande, Graça e Vila Facaia) ficaram oficialmente integradas no concelho e comarca de Figueiró dos Vinhos). A transferência da comarca já vinha de projetos anteriores na Câmara de Deputados (sessão nº 33 de 19/5/1893, pág.2,3), sessão nº 63 de 1/7/1893, pag.34).


8| 1898. Pedrógão restaurado. Todavia a discussão continuava por todo o país e muitas foram as reclamações apresentadas. Então o governo para as analisar, por decreto do Ministério do Reino de 24/5/1897 in DG nº 124 de 5/6/1897 on line, nomeou uma comissão formada por duas dezenas de eminentes personalidades. E, atento o relatório desta comissão vários concelhos foram restaurados pelo Artº 1º/mapas anexos do decreto de 13/1/1898, in DG nº 11 de 15/1/1898, on line, entre eles o concelho de Pedrógão Grande. O anexo 1 contem a listas de concelhos restaurados com as freguesias. O anexo 2 contem algumas freguesias e lugares que transitaram. (Atento a mesma vacacio de 15 dias, temos que este diploma entrou em vigor no dia 30/1/1898, data em que o concelho de Pedrógão Grande ficou oficialmente restaurado com as suas antigas freguesias, incluindo Castanheira de Pera e Coentral. A interrupção oficial fora de 2 anos e 4 meses.  


9| 1898. Protesto na Castanheira.  Acontece que este regresso a Pedrógão causou algum desconforto na Castanheira. Expressão disso um grupo de habitantes elaborou uma representação ao parlamento pugnando pela autonomia ou pelo menos se manter a freguesia anexada a Figueiró dos Vinhos. O teor deste documento está publicado no DG nº 84 de 19/4/1898 (EN 64, pág. 1008/9) on line. A azáfama terá sido grande. Numa (noturna) sessão nº 44 de 15/4/1898 (pág. 811, 812, 813), na Câmara dos Senhores Deputados, feito o histórico é apresentado um projeto de movimento de várias freguesias entre elas a anexação de Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos. Dir-se-á hoje (2024) que seria difícil esta pretensão ser acolhida visto o processo ter passado pouco tempo antes pela referida comissão de notáveis. Quanto à autonomia é certo ter havido antes (1893) um projeto para Castanheira de Pera concelho. Para o consultar google: Debates parlamentares - Monarquia Constitucional - Câmara de Deputados - pesquisar Castanheira de Pera. E ver, nomeadamente, Sessão nº 33 de 19/5, pág. 2/3;  Sessão nº 63 de 1/7, pág. 33/36; Sessão nº 67 de 7/6, pág. 31/34.

 

10| 1910. I república. Concelho de Castanheira de Pera. Entretanto ocorre a implantação da I república e o processo de criação do concelho de Castanheira de Pera é renovado no parlamento.  Para acompanhar tudo on line seguir: «Debates parlamentares - I república - Castanheira de Pera». (Ou melhor à vez: Camara de Deputados - Senado - Congresso da República). Nomeadamente: a) «Diário da Câmara dos Deputados», 47ª sessão ordinária, em 4 março 1914: apresentação do projeto Vitorino Godinho com a motivação (pág.  6,7). b) «Diário do Senado», 87ª sessão em 6 de maio de 1914 : discussão dos pareceres favoráveis das comissões de administração pública e das finanças (pág. 7,8) e, dentre outros documentos, os pareceres favoráveis das Juntas de Paróquia de Castanheira de Pera e Coentral (pág. 12, 13); pelo meio ainda se  discutiu um referendo e a final um aditamento de Tasso Figueiredo sobre «encargos proporcionais» (pág. 18, 19). c) «Diário do Congresso», 11ª sessão, 5 de junho de 1914: onde tudo acabou aprovado, (pág. 1, 8, 9). Uma vez aqui chegado o processo político da «gestação» do concelho de Castanheira de Pera está quase concluído, faltando apenas o momento solene do "dar à luz" no jornal oficial. Tal ocorreu no dia 17 de junho de 1914 com a publicação no Diário do Governo nº 99 - I Série da Lei nº 203 do Congresso da República pela qual se notifica toda a comunidade de que um novo concelho entra no ordenamento jurídico-constitucional. A data 17 de junho de 1914 é a verdadeira data da criação/fundação do concelho de Castanheira de Pera. O que vem a seguir é consequência.  Fn



Links :

DIGIGOV  - «DG» (diários do governo).  Abrir «JORNAIS» e  seguir para a data indicada. 

DEBATES PARLAMENTARES - Abrir «Monarquia constitucional». Inserir «Castanheira de Pera». Ou ir por cada «Câmara». Ou por cada sessão indicada. (Ambos os sites pesquisam localidades e personalidades).  

MAPAS. Trabalho académico. Decreto de 6 de Novembro de 1836    

ARQUIVO DISTRITAL LEIRIA - Fundos e colecções. Castanheira de Pera e Coentral.  

LEI DA CRIAÇÃO  -« PDF Lei nº 203 de 17 de junho de 1914».

JUNTAS PAROQUIAS    - Pareceres

Decreto de 6 Novembro de 1836





(Texto in «O Ribeira de Pera» edição impressa de 31/8/2024)       

quinta-feira, 6 de junho de 2024


As duas cumeadas vindas de  Pedrógão Grande 

 

W. Parque eólico da Origa sobre a «via de Santarém»



 










  

  • Cumeada da «herdade de Pedrógão» (1135) a nascente (E) 
  • Cumeada do «foral de Pedrógão» (1206) a poente (W)


1| Acidentes naturais. O território do concelho de Castanheira de Pera situa-se entre duas cumeadas ambas “vindas” de Pedrógão Grande. Uma a nascente («herdade de Pedrógão»), outra a poente («foral de Pedrógão»). De permeio este vale da ribeira de Pera onde se situam os agregados urbanos. Aquando da «reconquista» cristã (conduzida pela nobreza visigoda, classe militar e proprietária) à medida que esta avança as terras recuperadas ficam pertencendo à coroa que delas faz sucessivas doações por apaniguados e ordens religiosas. Nessas doações e forais antigos os limites eram fixados considerando os acidentes naturais do terreno: hidrografia e relevo.

 

2| «Herdade de Pedrógão». É nesta dinâmica «reconquistadora» que surge em 1135 a «herdade de Pedrógão», objeto de doação de D. Afonso Henriques a três nobres (Uzbert, Mónio Martins e Fernando Martins) por serviços prestados e a prestar. Com «herdade» no sentido de grande extensão de terreno. Os limites eram estes: 

«Habet enim terminos per montem qui uocatur Signum Salomon et inde per cimalias de Aluares ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps per cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et  cimalias de Nadaui ac deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar et inde unde prius incoauimus».

 

«Tem os seguintes limites: pelo monte chamado do Sinal de Salomão e daí pelo cume de Alvares, em seguida pelos cumes de Sonieir, Amioso, Escalos, Salzedas e Ana de Avis; daí ao mosteiro de Algia, desce pela ribeira de Algia até à sua foz no rio Zêzere e daí até onde primeiro se começou».  


Assim a «herdade de Pedrógão» situava-se entre dois acidentes naturais de relevo:  a nascente o rio Zêzere e a poente esta referida cumeada (linha de cumes) Alvares – Escalos – Sarzedas – Ana de Avis.  Nenhuma parcela do concelho de Castanheira de Pera integrava a «herdade», apenas fazia «fronteira». Fronteira que, aliás, se veio a manter em 1914 aquando da criação do concelho de Castanheira de Pera e já antes em 1502 aquando da criação da Paróquia de São Domingos.  Deste modo a fronteira física Castanheira / Pedrógão na «herdade» (1135), na Igreja, (1502) e na administração (1914) foi sempre a mesma ao longo, na maior parte, da cumeada Trevim – Safra – Gestosa - Fontes – Feteira - Vermelho - Sarzedas – Aldeia Ana de Aviz.  Uma ossatura da serra da Lousã com a «herdade» toda situada a oriente desta linha.  Quanto a «Algia» significava nesse tempo «ribeira fria», não povoação. Do verbo latino algeo, algere /ter frio, ser frio.  E quanto ao «monasterium» tratar-se-ia, porventura, duma pequena edificação, situada algures num morro entre Aldeia Ana de Aviz e a foz da ribeira de Alge, com mira para o Zêzere. Entre nobres teria também função militar daí que com o avanço rápido da «reconquista» para sul a partir de 1147 (Santarém, Lisboa, Sintra, Palmela) terá sido desativado, sem que se conheça a localização.  Com tal avanço para sul também aos três nobres donatários terão sido atribuídas outras funções, desligados da missão Pedrógão e a «herdade» de regresso à coroa, sendo D. Sancho I que depois a doa a Pedro Afonso que dela concede três forais às populações de Arega (1201), Figueiró dos Vinhos (1204) e Pedrógão Grande (1206). Em síntese: a atual «fronteira» leste Castanheira de Pera / Pedrógão Grande provém da «herdade de Pedrógão» de 1135.

  


3| Foral de Pedrógão de 1206.  Neste documento os limites estão assim identificados:  

«In oriente foz de uniaes e inde per meega usque dum nascitur.  In occidente per capita de nadauis et inde per directum ad caput de bouzaa et inde per carril quomodouertir aquam ad almaegue de goteri. In aquilone per viam que ducitur ad sanctaren. In africo per ozezar».  

«No oriente a foz da ribeira de Unhais indo por Mega até à sua nascente. No ocidente pela cabeça (cume) de Aldeia de Ana de Aviz e daí direito à cabeça da Bouçã e daí pelo Carril assim como vertem as águas para Almegue de Guterres. No aguião (norte) pela via que conduz a Santarém.  A sul pelo Zêzere».    

Esta delimitação «in aquilone per viam que ducitur ad sanctaren» / «do norte pela via que conduziu a Santarém» parece algo abstrata, imprecisa. Porém, quando na chancelaria régia se outorgou o foral toda a nobreza estava ciente que se tratava da cumeada  Trevim - Amial - Ortiga - Carregal Cimeiro / Póvoa, Souto Fundeiro / Vilas de Pedro.... porque fora por aqui que, sob seu comando, transitaram forças militares de D. Afonso Henriques provindas da região de Viseu, com destino a Santarém, em 1147 (tomada da cidade) e/ou 1184 (cerco da cidade) via Chornudelos (Soure), Aldegas (Ourém), Albardos (Porto de Mós) - Pernes. Caminhos desenfiados, não vias romanas, dado o sigilo das operações. Chornudelos foi onde se terá dado em 1147 a junção à hoste real vinda de Coimbra. O verbo latino duco, ducis, ducere, duxi, ductum, de que «ducitur» é passiva, continha ao tempo forte carga militar visto que significava conduzir, comandar exércitos, legiões. Daqui provém dux, ducis/duque. Esta cumeada do foral de 1206 fixou a fronteira concelhia W Pedrógão Grande/ Miranda do Corvo, depois no liberalismo Pedrógão Grande / Figueiró dos Vinhos e desde 1914 Castanheira de Pera / Figueiró dos Vinhos. De notar que a freguesia de Campelo não integrou nem a «herdade de Pedrógão» de 1135, nem o foral de Figueiró dos Vinhos de 1204, porquanto esteve a foro de Miranda desde 1136 (foral de D. Afonso Henriques) até ao liberalismo e, já antes de 1136, integrava a Paróquia de S. Salvador de Miranda.  Em síntese:  a cumeada «in aquilone per uiam que ducitur ad sanctaren» constitui desde 1914 a fronteira W (oeste) do concelho de Castanheira de Pera. Património imaterial vindo de Pedrógão Grande.  

   

4. Vilas de Pedro. Quando um «senhor» nobre concedia um foral normalmente não ficava a morar dentro da área desse foral. Assim se terá passado com Pedro Afonso. A toponímia «Vilas de Pedro» e a existência do nicho «Almas do Couto» indicia que D. Sancho I quando lhe doou a «Herdade» lhe terá concedido também «carta de couto» a uma outra área da região, Vilas de Pedro, com «vilas» aqui no sentido de propriedades agrárias, situadas entre a paróquia de Campelo a foro de Miranda e o foral de Figueiró dos Vinhos. Uma terra «coutada» significava uma terra demarcada, privilegiada, imune a impostos régios. Na época romana «villa era um latifúndio pertencente a um senhor (dominus) destinada a exploração agrícola, florestal e pecuária, tendo ao centro a casa senhorial rodeada pelas instalações rurais (lagares, celeiros, tulhas, adegas, estábulos…) e por habitações do pessoal livre ou servil». (MC/hdp/65).  Claro que cada caso com sua dimensão, mas a estrutura base seria algo semelhante. Em Vilas de Pedro ainda hoje existem as «Almas do Couto» que, para além do possessivo, podem indicar um limite territorial da coutada.  «Senhor» dos três concelhos D. Pedro Afonso terá tido aqui a sua «casa senhorial».  

                                                                                                                                                      Francisco H. Neves 



(Texto in «O Ribeira de Pera» edição impressa de 31/5/2024) 

terça-feira, 10 de outubro de 2023



Em 1855 uma questão paroquial subiu ao
 Supremo Tribunal Administrativo 
Paroquianos de S. Domingos ganham a causa

 


1| Pé de Altar. Na época do liberalismo o Clero como que passou a função pública. Mas o seu sustento manteve-se nas paróquias, conforme carta de lei de 5/3/1838, (DG de 13/3) e carta de lei de 20/7/1839, (DG de 30/7). Em todos os concelhos do Reino (no nosso caso Pedrógão Grande) havia uma Junta de Arbitramento para deliberar sobre o montante anual da «Côngrua» (quantia arbitrada aos párocos para a sua decente sustentação), considerando o «Pé de Altar» (soma das taxas pagas pelos paroquianos por serviços religiosos prestados: batizados, casamentos, cerimónias fúnebres, outros) e, consoante o caso, uma «Derrama» (imposto a repartir pelos paroquianos na proporção dos respetivos rendimentos). O montante da côngrua era fixado anualmente para o ano económico seguinte. Começava a ser preenchido pelo estimado Pé de Altar. Não chegando, derrama sobre os paroquianos. 


2| O caso concreto. Corria o ano de 1839 quando a Junta de Arbitramento (pressupondo-se um Pé de Altar de 100$000 réis) fixou a côngrua do pároco em 160$000 réis e a côngrua do coadjutor em 60$000 réis, (sessão de 5/12). Havia então na Paróquia de São Domingos pároco e coadjutor. Sucede que no ano seguinte (1840) deixou de haver coadjutor. Daí que em sessão de 18/1/1841 a Junta de Arbitramento (avaliando agora o Pé de Altar em 106$000 réis), atendendo a que o pároco passara a acumular o serviço do coadjutor, atribuiu-lhe também a côngrua deste, ficando assim o pároco com a côngrua cumulada de 226$000 réis (166$000 + 60$000 = 226$000). Cumulado o serviço, cumulada a côngrua. Sendo, porém, a acta omissa quanto a este ponto. Na verba do coadjutor colocara-se um traço de tinta e só posteriormente é que sobre este traço e da parte da margem da acta foi lançada a seguinte nota: «Não há, mas atendeu-se na côngrua do pároco». Sem ressalva alguma no corpo da acta. Nos anos seguintes as actas umas referem não haver coadjutor e outras são omissas. E assim se manteve - cumulado o serviço, cumulada a côngrua - durante os doze anos seguintes 1841/1853, suposto que tudo em paz paroquial. Até que em 1853 o prelado diocesano nomeia um novo coadjutor para a Paróquia de São Domingos das Castanheira. E vai daí a Junta de Arbitramento de Pedrógão (sede de concelho) em sessão de 25 de junho, atribui ao novo coadjutor uma côngrua no montante de 37$660 réis, deixando ao pároco a mesma soma cumulada de 226$000 réis.  

E aqui surge a questão!

Entendem os paroquianos que não podem ser onerados com duas côngruas para o coadjutor, uma fixada em 1841 no montante de 60$000 réis e outra fixada agora em 1853 no montante de 37$660 réis. Daí que no ano seguinte 1854 alguns paroquianos tenham reclamado perante a Junta de Arbitramento. Mas esta indeferiu tudo. 

Inconformados os paroquianos recorreram então para o Conselho de Distrito (Leiria) que, por Acórdão de 28/9/1855, acolheu ambas as pretensões, decidindo que a verdadeira côngrua do Pároco era de 166$000 réis e que o valor do Pé de Altar era agora de 137$360 réis conforme, aliás, os próprios documentos paroquiais.  

   

3| Conselho de Estado. Inconformado é agora o pároco a interpor recurso para o Conselho de Estado - Secção de Contencioso Administrativo, (hoje Supremo Tribunal Administrativo. Pugnando, essencialmente: a| Pela manutenção do Pé de Altar em 106$000 réis por imperativo legal. b| Pela manutenção da sua côngrua nos mesmos 226$000 réis, invocando, além do mais, a falsidade daquela nota na acta de 1841.

O processo correu seus trâmites e a final o Conselho de Estado proferiu elaborado parecer no sentido de: 1) Dar razão ao Pároco no tocante à manutenção do Pé de Altar em 106$000 réis, visto e achar congelado por Lei geral de 8/11/1841. (A razão era evitar a luta anual entre párocos e fregueses); 2) Dar razão aos paroquianos quanto às côngrua do pároco ser apenas de 166$000 réis (pé de altar base de 106$000 réis), confirmando, nesta parte, o acórdão distrital. 

Quanto à alegada falsidade a competência para dela conhecer cabia aos tribunais civis. Como o pároco não se disponibilizou a invocá-la no foro civil o tribunal administrativo dela não tomou conhecimento.

Quanto ao desdobramento das duas côngruas ponderou o Conselho de Estado:  

«Considerando, quanto à dedução da côngrua do coadjutor da quantia assinada à côngrua do pároco, que a grande elevação da côngrua do pároco arbitrada na sessão da Junta de 18 de janeiro de 1841, sobre a do ano antecedente, tem natural e obviamente a explicação que foi expressada na nota da respetiva acta, não se mostrando justificada por nenhum outro princípio».

Quer dizer: «em 1841 foi incluída na côngrua do pároco a do coadjutor, pela contemplação de que, sem o auxílio deste, satisfaria aquele todo o serviço da Igreja». 

E assim«devia ter cessado na côngrua do pároco a parte correspondente à côngrua do coadjutor, logo que cessou o fundamento por que ela lhe acrescera».

Ou seja: nem o Pároco nem a Junta apresentaram outro fundamento capaz de afastar a cumulação contida naquela na nota na acta de 18/1/1841.Com este parecer do Conselho de Estado concordou o rei D. Pedro V, (reinado 1853-1861), sendo o Acórdão assinado no Paço das Necessidades em 15/12/1858.  


4| Presbytero. O pároco recorrente neste processo P. Manoel Joaquim Rodrigues Corrêa foi Pároco titular da Paróquia de S. Domingos durante cerca de 37 anos (1854-1891). Registos de batismo escritos e assinados por si.1  No DG nº 223 de 22/9/1857 está publicada a sua apresentação na Igreja de São Domingos da Castanheira do Pedrógão. E por decisão publicada no DG nº 262 de 19/11/1891 foi-lhe reconhecido o direito à aposentação, com base na referida côngrua de 166$000 réis. Tinha 67 anos em janeiro de 1891. (Existe alguma atividade sua já em finais 1853 e começos de 1892).

 

5| Prudência. Uma côngrua paroquial de 226$000 réis mantida durante doze anos consecutivos pode criar em algumas pessoas a convicção – certa ou errada - de valor individual. A composição das Juntas de Arbitramento vai rodando no tempo e por vezes os novos elementos nem sempre conhecem os casos, se não lhes forem devidamente transmitidos. Por isso importa que as actas sejam devidamente elaboradas, conferidas e assinadas.  Podem vir a ser documentos essenciais.

Agora quanto ao coadjutor impressiona no ano de 1839 ser-lhe atribuída a côngrua de 60$000 réis, valor máximo a passar (160$000: 3=53$333 réis), e, doze anos volvidos (1853) a côngrua mínima de 37$660 réis. Tudo na vigência do mesmo quadro legal: «máximo 1/3, mínimo 1/6 da côngrua do Pároco» (Artº 3º da Carta Lei de 20/7/1839). Curioso o critério da Junta 1853 que, atribuindo ao coadjutor a côngrua matemática mínima, estava implicitamente a significar que a outra soma 226$000 réis era a côngrua do Pároco (226$000: 6 = 37$666). Na alegação de recurso também o pároco alegara (seu advogado) que as côngruas do pároco e do coadjutor são individuais e separadas. E se a Junta atribuiu ao coadjutor uma côngrua separada (37$660) é porque a outra (226$000) era a sua. Trata-se dum argumento circular, visto que o que estava em causa era saber do fundamento daquele montante 226$000 réis. Quanto ao Pé de Altar interessava aos párocos ser estimado pelo baixo. Porque a côngrua era preenchida pelo pé de altar + derrama.  Pé de altar incerto, derrama certo.  

 

 6| Leitura integral. O acórdão, relatado pelo Conselheiro José de Cupertino de Aguiar Ottolini, foi assinado no Paço das Necessidades em 15/12/1858 pelo =REI= e pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, António José d´ Ávila. Depois dos «conformes» foi publicado no «Diário do Governo» nº 48 de 25 fevereiro 1859 (p.250) disponível on line no portal DIGIGOV (digigov cepese), clicando em jornais e seguindo na barra para a data indicada. 

  

1|Registos de batismo disponíveis on line seguindo: Arquivo Distrital de Leiria – Fundos e coleções – Paroquiais - Castanheira de Pera. Coentral. (selecionando o ano e manuseando o visualizador que surge à direita). 

Francisco H. Neves



(Texto in «O RIBEIRA DE PERA», edição impressa de 30/9/2023). 






sexta-feira, 4 de agosto de 2023




«CEIROQUINHO - SUA CRUZ E CAPELA » 

Novo livro de Monsenhor Cónego Aurélio de Campos




3º livro.2022

1| Dedicatória. Depois de dar à estampa essa obra enorme «SEMINÁRIO DE COIMBRA – Subsídios para a sua História», Coimbra 2014, (DL 381766/14) e depois do livro «TRAÇOS DE UMA VIDA - Memórias e reflexões pessoais», Coimbra 2018, (DL 449378/18), Monsenhor Cónego Aurélio de Campos veio agora dedicar à sua aldeia, na freguesia de Fajão - Pampilhosa da Serra, este pequeno/grande livro de 160 páginas intitulado: «CEIROQUINHO – Sua Cruz e Capela», Coimbra 2022, (DL495888/22).


Nascido em 11 de Setembro de 1931, esta é a dedicatória que Monsenhor oferece à sua aldeia natal, no dia em que completou 90 anos de idade, lembrando que os “tempos passados só fazem história sendo memorizados e refletidos”: 


«Dedico este livro: Ao povo de Ceiroquinho, nossos heroicos avós, que ao longo de séculos pelo trabalho austero nos legaram uma verdadeira epopeia de sacrifícios dolorosos, de coragem, de constância, de fé, de afeto por esta terra ingrata de benesses, dura de afeições, áspera no amanho, a exigir o suor abundante dos seus filhos para os poder sustentar, tornar felizes e construir a aldeia que somos. Ceiroquinho, 11 de setembro de 2021».

 

2| Capela. Quanto à capela sempre teve o Santo António como padroeiro.  Neste livro Monsenhor faz desenvolvida história da capela velha, (sec. XVII-XVIII), na baixa de Ceiroquinho; e da capela nova (1923) na alta da povoação, ilustrada com sucessivas fotos duma e doutra. Capela nova totalmente renovada em 1990/1991.    As estruturas. O simbolismo litúrgico do interior e a sua explicação. As várias imagens de Santos oferecidas por Ceiroquinhenses, alguns emigrantes, como expressão da sua fé.  Os sinos, o cálice de prata, o relógio mecânico, o oratório tudo comentado.  


 3| «Sua Cruz».  Em frente à povoação de Ceiroquinho, (nome derivado do rio Ceira), existe uma assentada (planalto) imemorialmente denominada de «Cruz».  Não porque aí existisse cruz alguma, mas porventura porque aí se cruzam caminhos de acesso a outros lugares ou porque aí se cruzam olhares contemplando o céu, os montes, os campos cultivados…  Porém, Monsenhor oferece aqui uma outra interpretação mais filosófica: o nome de «Cruz» advém-lhe duma razão-símbolo mais abstrata e misteriosa, mas profética e humana. Tal assentada de íngreme e difícil acessosimboliza a cruz que cada Ceiroquinhense no peregrinar da vida terá de transportar.   “Na sua ou noutra terra, deslocado ou emigrante, o seu dever e sua missão são sempre responsabilidades dolorosas, verdadeiras cruzes, embora aceites e abraçadas com empenho e alegria”. E concretiza com o testemunho de várias famílias que, no mundo em que se inseriram, “amavam a sua cruz e com ela triunfaram, construíram glória e morreram sendo felizes".

 

4| Bons frutos. “A árvore boa dá bons frutos”.   Esta é outra mensagem do livro. “A comunidade paroquial de Fajão ofereceu à Igreja e ao mundo elementos que vieram colaborar na eficácia do progresso e cultura do povo português, dos cristãos e doutras pessoas da humana e universal sociedade”. São mencionados casos concretos de Monsenhores, Cónegos, Padres, pintores, professores, escritores, empresários e outros cidadãos que “foram verdadeiros doutores na experiência do viver e saber”.

 

5| 160 anos de mordomos! Espaço notável é estoutro em que se descrevem as festas religiosas (partilha de alegria, afetos, amizade, entre famílias e pessoas) e em que Monsenhor faz expressa menção do nome, um a um, de todos os mordomos que fizeram a festa da Capela de Ceiroquinho durante os anos 1860 a 2020. Intercalando os párocos que se foram sucedendo e ocasionais intervenções na Capela. Trabalho notável de pesquisa.

 

6| Santo António, «Tenente-general».  Neste último espaço do livro faz-se um resumo da vida de Santo António (1192 – 1231). Lisboa (Fernando de Bulhões), Coimbra (Frei António), Marrocos, Itália onde se notabilizou como pregador e foi canonizado.  E também duma faceta peculiar deste Santo. É que séculos mais tarde Santo António é nomeado patrono de várias unidades, com assim iniciando a sua “carreira militar”. «Em 1668 Santo António “assentou praça” no 2º Regimento de Infantaria de Lagos, por alvará de D. Pedro. Em 1683 era promovido a Capitão pelos bons serviços militares. Em 1777 D. Maria promove-o a Major e em 1780 a mesma Rainha fá-lo Tenente-General».

 

 7| Castanheira de Pera. O P.  Aurélio de Campos foi Pároco de Castanheira e Pera durante 17 anos (1960-1978). Tempo em que aqui desenvolveu intensa atividade pastoral. Foi ainda fundador e dirigente do Externato São Domingos, porto de abrigo e embarque escolar para muitos jovens que, nesse tempo, ficariam em terra por falta de meios.  Por todo o concelho de Castanheira de Pera também existem capelas, cada qual com seu orago, sua «cruz» e seus bons frutos (Santo António da Neve, Camelo, Pera, Sapateira, Gestosa Cimeira, Gestosa Fundeira, Troviscal, Moita, Sarzedas de S. Pedro). Em todas o P. Aurélio celebrou, organizou, reconciliou. E em que agora este seu livro ainda pode trazer algo de motivador.  

8| Leitura. O livro encontra-se disponível nas Bibliotecas Municipais da Pampilhosa da Serra e de Castanheira de Pera. Nas Bibliotecas depósito legal (DL), nomeadamente, Biblioteca Nacional (BNP) em Lisboa (Campo Grande). E no Gabinete da Comissão de Melhoramentos de Ceiroquinho.  

Fn

   In «O RIBEIRA DE PERA» edição impressa de 31/7/2023


quinta-feira, 13 de julho de 2023

 



Gentílicos locais … «Pedras Negras nos Coentrais»

… «honrados no Fontão» … … "fidalgos na Ortiga" …

«In aquilone per viam que ducitur ad sanctaren»



 

1|Listagem. De autor desconhecido e transmissão oral existe neste concelho uma espécie de dicionário desordenado, uma listagem de “gentílicos” locais que terá surgido na I República, porventura numa acção de carnaval ou de teatro (jograis).  A referência a «cidadãos», «combate» e «liberais» aponta para essa época. Tempo do qual um reverendo cónego1 observou: «Quando nasceu a República, tudo passou a ser cidadão». «O padre… o professor, o médico, o advogado, tudo cidadão fulano, sem mais aparelho».  E nem «certos particulares… dispensavam a alcunha».

A referência a «combate na Castanheira» significará as lutas político-partidárias. Já referência a «liberais» andará pelas liberdades então vivenciadas. A lista terá tido ao longo do século outras versões.  Mas é esta listagem (caixa) que se conhece impressa.   E também codificada.2 Outras versões terá havido porquanto alguns cidadãos não se revendo no locativo catalogado deram um chega pra lá, invocando o seu outro.  Recordamos há dezenas de anos escutar seniores do lugar dizerem-se de «honrados no Fontão». Assim como recordamos de fontes orais dispersas o gentílico "fidalgos na Ortiga". A serra da Ortiga, em cujo planalto se situa o Parque Eólico é hoje visível de todo o concelho. Não é conhecido nesta área do município qualquer referência a nobreza donde provenha fidalguia. Mas, como transmite universal provérbio «não há fumo sem fogo». Daí o partir-se em busca dum eventual fundamento.

 

2|Primórdios. Pós-terramoto de 1755, num conhecido relatório paroquial de 1758, a Ortiga está citada duas vezes, sendo uma delas como lugar serrano.3 Com «lugar» no sentido de povoação. Enraizada tradição oral proclama que «o Fontão veio da Ortiga». Donde a Ortiga ser anterior ao Fontão. Fontão que já existia em 1502, quando um seu morador, Vasco Esteves,4 interveio no processo da criação da Paróquia de S. Domingos da Castanheira. Como povoação afigura-se que a origem da Ortiga de Cima remonta aos primórdios da nacionalidade, mercê de dois fatores locais:  abundância de água e proximidade da via militar (Sec. XII).

Atualmente, visto de fora, é tudo Ortiga, (Ortiga de Cima, Ortiga de Baixo, Cova do Pião, Porto Salgueirinho). Porém, as courelas e cardenhas erguidas na Cova do Pião e Porto Salgueirinho nada têm a ver com a (histórica) Ortiga de Cima, porquanto terão sido erigidas séculos mais tarde, já a mando do Fontão. Sendo certo existirem hoje na área dois espaços comuns:  o caminho da Ortiga subindo desde o Vale das Figueiras e, de inverno, o córrego da Ortiga que, escoando da vertente leste do parque eólico, corre por Ortiga de Cima, Ortiga de Baixo, Cova do Pião, Porto Salgueirinho, Corredor, Dordio onde se junta ao ribeiro do Fontão, para desaguar na Ribeira de Pera.           

 

3|Água. Hoje muito está debaixo dos eucaliptos. Mas ainda permanece na memória dos seniores, a pouca distância do parque eólico, uma abundante nascente de água à superfície de tal modo que o município instalou canalização para abastecimento da vila. Ainda hoje ativa é a «mina das Fontanheiras». À direita, mais além, uma área de prado verde (pastagem) com outra fontanheira a borbulhar.  Mais abaixo, nas courelas, outras nascentes de regadio.  A água foi sempre essencial á fixação das gentes.   


4|Via militar. Do perímetro do foral de Pedrógão 1206, concedido por D. Pedro Afonso, recuperamos a delimitação Norte: «In aquilone per uiam que ducitur ad sanctaren». Isto é: do Norte pela via que conduziu a Santarém.5 Este limite N (norte) do concelho de Pedrógão é, no terreno, o mesmo que passou a constituir o limite W (poente) do concelho de Castanheira de Pera, quando este foi desanexado em 1914.  Corresponde à cumeada Trevim – Cabril – Ortiga – Carregal Cimeiro, que se desenvolve no sentido norte/sul. Limite W que ainda hoje se mantem exatamente igual, fixando a divisória com a vizinha freguesia de Campelo. Em edição anterior 6 consignámos, além do mais, esta narrativa:

«Quando na chancelaria régia (1206) os signatários do foral disseram no documento «In aquilone per uiam que ducitur ad sanctaren», mais do que registar uma delimitação territorial, estavam porventura a pensar e significar para memória futura, as forças militares que, provindas do Norte, sob seu comando, por aqui transitaram em missões a Santarém (1147 e 1184) … via Chornudelos - Abdegas – Albardos – Pernes».   

Clareando a interpretação: na cumeada da Ortiga, passou uma força militar de D. Afonso Henriques com destino a Santarém em 1147 (tomada da cidade) e/ou 1184 (cerco da cidade). Dado o secretismo da missão (1147) o rei optou por itinerários desenfiados.  Já que estradas romanas para e de Santarém havia várias…

Numa hoste militar não basta considerar apenas a qualidade e nobreza dos cavaleiros. Há que prever e prover a situações de sede, fome, sono, doença. Carriagem, forragens, provisões, vitualhas, água. Guias, estafetas, mesteirais. Arraial. Em suma: logística.  


5| Logística.  Em todo o concelho de Castanheira de Pera a Ortiga de Cima, incrustada na serra, é a povoação mais próxima da via militar.  A explicação, para além dos mananciais, poderá encontrar-se no apoio logístico às forças reais, aqui constituído, aquando das ações militares na região durante a «reconquista». Mormente em 1147 à passagem da força provinda de Viseu, retemperando forças e agilizando a marcha para se juntar à hoste real em Chornudelos (Soure), rumo a Santarém.

Nestas ações militares decerto passaram na Ortiga godos, nobres, fidalgos. E terá sido então, aquando de tal apoio logístico que, por extensão semântica, com alguma metáfora à mistura, o conceito terá passado de fidalgos apoiados para mesteirais apoiadores, com assim nascendo o gentílico “fidalgos na Ortiga. A omissão no catálogo republicano tem explicação óbvia: tratava-se de conceito monárquico… Por outro lado, explicado fica também a ratio da costumada mensagem dos seniores segundo a qual «a Ortiga está no mapa». E o próprio topónimo Ortiga poderá ter origem numa arma de artilharia antiga que nessa época por aqui se tenha manuseado.8


6|Estudo. Pistas existem. Cientistas também. Vetusta de 8 séculos afigura-se que a histórica delimitação territorial «In aquilone per viam que ducitur ad santaren» de há muito podia estar devida e cientificamente estudada. Quiçá sinalizada no terreno. Para memória futura. Para contemplação no presente!

Fn


Notas de fim de página:

1-       Fonseca da Gama, Terras do Alto Paiva, 1940

2-       Monografia/2004/379

3-       Monografia/2001/115

4-       Monografia/2004/114

5-       Miguel Portela, Indícios de Cister em terras de Monsalude (Separata/56).

6-       Edição impressa 30/9/2018. Blogue «Crónica da Fraga», 1/10/2018

7-       Elise Cardoso, A logística Militar de Quatrocentos (Mestrado)

8-       Conclui-se como em 30/9/2018: «A demonstração dos factos históricos é quase sempre hipopéptica, sobretudo quando eles se situam numa época tão remota como o sec. XII. Aquilo que é possível, admissível, verosímil, hipotético ou provável, não se pode transformar em certeza», (José Matoso). É sob esta lição tudo o que de novo fica dito.

 

 

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 Texto in O RIBEIRA DE PERA edição impressa de 30 junho 2023