POVOAMENTO. O FONTÃO VEIO DA ORTIGA (I)
Na sequência do terramoto de
1755 o padre-cura da Castanheira elaborou em 1758 circunstanciado relatório
onde, além do mais, menciona os 22 lugares da freguesia, entre eles o Fontão e
a Ortiga, ambos citados duas vezes, sendo a segunda vez por serem lugares
serranos. (Cf. Monografia p. 114/115).
É claro que a Ortiga do séc.
18 não tinha o âmbito geográfico em que é tida hoje, a ponto de chegar quase às
abas do Vale das Figueiras. A Ortiga primitiva situava-se lá em cima,
enquistada na serra, um bocado abaixo do Parque Eólico, um pouco abaixo da mina
das Fontanheiras, em fazenda algo chã algo inclinada, área hoje pertencente em
parte, a herdeiros de António Henriques Tomaz.
Até aos anos cinquenta do
século passado ainda ali eram visíveis ruinas das moradas, botaréus,
castanheiros, pequenos pomares, pastagens, trilhos, nascentes de água, regos.
Hoje restam as ruinas de algumas paredes e mato. O demais ficou debaixo dos
eucaliptos.
Mas passemos ao tópico. Foi
há mais de 50 anos que, numa estival cavaqueira da juventude, pela primeira vez
ouvimos um amigo revelar com ênfase: «E o Fontão
veio da Ortiga!». O que logo um circunstante mais velho ratifica: «É verdade, o Fontão veio da Ortiga!»
E hoje, volvido mais de meio
século, indagando, constata-se ainda haver gente que se recorda da frase, mas
nem sempre conhecendo o seu conteúdo.
Ora «o Fontão veio da
Ortiga», segundo a tradição oral, significa exactamente isso: que os primeiros
moradores do Fontão, os seus fundadores como lugar, desceram da Ortiga. E que
assim a Ortiga, como povoado, é anterior ao Fontão.
E daí o ter ficado a constar
nas cartas «serra da Ortiga» e não «serra do Fontão». Melhor dito «cume da
Ortiga», como assinala a carta militar nº 264.
E pela mesma razão, mais
recentemente ainda, a denominação de «Parque Eólico da Ortiga», (parque bem
visível na serra, a poente da vila).
Mas, para além da tradição e
do cume, o sentido da frase pode ainda iluminar-se com a resposta a este
quesito: se o Fontão veio da Ortiga, então donde veio a Ortiga?
Vamos passar por lá.
***
Na Grande Enciclopédia PB
(vol.39/209) encontra-se publicado um interessante estudo sobre a toponímia da
vizinha freguesia de Campelo, referindo-se vinte e oiro (28) lugares a saber:
«Aldeia Fundeira, Alge, Campelinho,
Campelo, Casal, Casas Velhas, Castelo, Coito, Eiras, Fontão Cimeiro, Fontão
Fundeiro, Fonte da Corte, Moinho Novo, Molhas, Pé de Janeiro, Peralcovo, Ponte
Fundeira, Porto Oliveira, Póvoa, Ribeira Velha, Searas, Serradas, Singral
Cimeiro, Torgal, Trespostos, Vale da Lameira, Vale Vicente e Vilas de Pedro».
E, após breves considerandos
acerca de alguns destes apelativos o estudo conclui:
«Esta toponímia, medieva, mas nitidamente já nacional,
só pode ter uma lição: a de um repovoamento efectuado a partir de meados do
séc. XII ou até já desde 1136 a foro de Miranda».
Ora, como é notório, a «serra
da Ortiga» constitui-se “paredes-meias” com a região de Campelo. Lugares na
encosta de lá, lugares na encosta de cá.
Pois bem, o povoado inicial
da Ortiga tem de se enquadrar no povoamento global de toda esta região serrana.
A Ortiga terá sido como que o 29º lugar do Alge/Campelo que, escalando a serra,
trepou cá para este lado, aqui se fixando.
Vizinhos de cá, vizinhos de
lá. Intercâmbio recíproco.
Depois a Ortiga inicial terá
crescido até que, em época imprecisa, mas que se situa bem antes de 1502,
alguns dos seus moradores desceram para criar o Fontão.
O topónimo Fontão poderá até
ter constituído, ao tempo, como que uma “geminação”
com o Fontão Fundeiro (ou Cimeiro) daquela região de Campelo.
O solo do Fontão era
convidativo. Chão amplo e fértil. Água abundante. Uma boa várzea, (várzea
aliás, que ainda hoje a carta militar assinala).
Aqui se criou e desenvolveu
uma laboriosa povoação que, em 1502 já intervém no processo da criação da
Paróquia de São Domingos da Castanheira, através de um seu morador, (Vasco
Esteves). Os dois lugares - Fontão e Ortiga – viveram então em paralelo, como
regista o padre-cura em 1758.
O Fontão aí está nestes
nossos dias. Quanto à Ortiga primitiva acabou como povoado há cerca de um
século.
Quanto ao intercâmbio entre
as populações das duas vertentes da serra sempre se manteve. Ainda se recorda
sacrificada gente «de trás da serra»
(Ribeira Velha, Vilas de Pedro, etc.) atravessar os trilhos serranos,
carregando sacos às costas ou cestas à cabeça de produtos agrícolas para vender
no mercado da Castanheira.
Do alfaiate da Castanheira
trepar a serra a pé para tirar a medida e fazer os fatos.
Dos músicos da Filarmónica
Castanheirense, fardados, com os seus instrumentos às costas, serra fora a pé
(ir e vir), para actuar nas Festas da Ribeira Velha.
Hoje a estrada do Espinhal
facilita o intercâmbio. O problema é que agora escasseia gente para o
exercer!
Resumindo:
O Fontão veio da Ortiga e a
Ortiga veio da região do Alge/Campelo. Mas aqui surge uma terceira questão:
afinal donde é que vieram os povos para o “repovoamento”
do Alge/Campelo no séc. XII?
Vamos tentar passar por lá em
próximo número. Venha connosco. Pode ser que nos
encontremos. Ou nos cruzemos!
Francisco H. Neves
PS. Texto publicado também no jornal RIBEIRA DE PERA do dia 16 de Março de 2015 in