Crónica da Fraga
CASTANHEIRA DE PERA NÃO TEVE FORAL
Foi «termo» do
foral de Pedrógão
Noção. Historiadores e Juristas
dão-nos definições muito cultas, muito elaboradas do conceito de «foral», suas tipologias, modelos,
qualificações ao longo de centúrias. Mas todos vão referindo que se trata de um
documento escrito onde se regulamentavam
os direitos e deveres dos membros duma colectividade (concelho), entre si e
outras entidades e, em pormenor, as prestações a satisfazer aos senhorios.
Então, numa palavra, diríamos que um foral é um Regulamento. Adjectivado dir-se-ia Regulamento do Município
Medieval.
Origem. Os «forais» são um
produto da «reconquista». Mas foram semeados
no tempo dos Mouros. Recuperemos: Romanos (clero), Visigodos (nobreza), Mouros
(povo), Visigodos (nobreza) outra vez e agora em maior número. Á medida que a «reconquista» militar avança no
terreno, na retaguarda o novo condado/reino (D. Henrique, D. Tereza, D. Afonso
Henriques, D. Sancho I) vai-se desdobrando a outorgar doações fundiárias a
nobres, ordens militares e clero para compensar fidelidades e serviços
prestados. Desta feita a nobreza, as ordens militares e o clero tornam-se
proprietários e «dons» de todo o reino. Sucede porém, que vai dar-se
um embate violento entre a nobreza que chega e o povo que
está. A nobreza por não concordar com o «estatuto dos vizinhos» e querer ocupar
as terras com tudo o que lá está dentro, a sua “criação” (servos). E o povo que
se opõe firmemente, por não querer voltar à primitiva servidão.
Cartas. É face a este embate, que os reis (a título de
equilíbrio) e os próprios nobres, ordens e clero (a título de interesse) passam
a outorgar sucessivas cartas de foral (municípios), cartas de aforamento
(enfiteuse) e cartas de povoação. Cartas que, no fundo, vão todas dar ao mesmo:
sustentar a nobreza com as rendas das terras, pagas em géneros: trigo, centeio,
milho, hortaliças, cebolas, alhos, frutas (primícias), vinho, azeite, mel,
castanhas, ovos, gado. (Normalmente entre 1/3 e 1/10 dos produtos da terra). A
que, além do mais, acrescia a «dízima»
para o Clero. Ao camponês pouco resta para meter na arca do seu casebre. Por
detrás da “oficial” necessidade de «povoamento» de que nos falam os manuais, o
que realmente estava em causa era a necessidade premente de pôr o povo a
arrotear e frutificar terras para encher tulhas e celeiros da nobreza que
chegara. O nobre é um «senhor» que não trabalha terra. Tem-se por função
pública. Vive do fossado, dos rendimentos e das «contias».
Liberdades. Ainda assim os forais (concelhios) constituíram uma
boa aberta num céu muito nublado. Se para os «senhorios» (nobreza, ordens e
clero) o essencial era «a fixação precisa
dos tributos e prestações» a pagar, já para o povo o essencial eram as «liberdades das pessoas e bens». Na área
do foral (vila e alfoz) nenhum servo podia ser perseguido por antigo «senhor».
O próprio escravo mouro podia vir a resgatar aqui a sua liberdade. Forais houve
já com normas de protecção da mulher. As condutas ilícitas e as coimas a pagar
(em soldos) eram as do foral. Desde D. Dinis que os homiziados (delinquentes)
podiam aqui vir a fixar-se sem risco. Aliás, concelhos da fronteira houve que
pediram e o rei concedeu cartas de couto para homiziados. Aos povoadores eram
concedidos terrenos (lotes, casais, sesmos) a título vitalício, hereditário e
tinham acesso aos logradouros comuns (maninhos). E para tratar de assuntos
comuns (pastos, águas, caminhos, eleição magistrados) os vizinhos reuniam-se
livremente em assembleia, em concilium
(e daí o termo concelho de hoje).
Quanto
às cartas de aforamento (enfiteuse) tinham natureza civil. Tratava-se de
contractos agrários de arrendamento vitalício, mediante o pagamento anual de um
pequeno foro (renda) fixado no início do contrato e que assim se mantinha.
História. O «foral» de Guimarães, outorgado pelo Conde D.
Henrique e D. Tereza, é tido como o primeiro foral português (1096). Embora
haja notícia de que o sistema da municipalização se terá iniciado antes, com
Fernando Magno e seus forais a Paredes, Pesqueira, Ansiães, Linhares, Penela
(1055-1065). Desde D. Henrique até D. Dinis foram conferidos centenas de forais
constitutivos de municípios. Mas «a partir de D. Afonso IV deixaram
praticamente de ser concedidos». Nas centúrias seguintes ocorrem abusos da
nobreza e queixas dos povos em cortes, por má interpretação, emendas e rasuras
nos documentos. Daí a reforma manuelina durante 25 anos, (1497/1522). Agora
quem alega direitos, tem de os provar. Documentos originais à Corte.
Inquirições. Casos litigiosos aos Supremos Tribunais (Casas da Suplicação e do
Cível). Objectivo dos «Forais manuelinos»: reconhecer o rei como «o mais alto e
superior senhorio» e, saber das «rendas e direitos que se devem arrecadar em
cada lugar». Perto de 600 «Forais Manuelinos» outorgados (forais novos).
Entretanto, as suas normas vão transitando para as leis ordinárias e os forais
acabam extintos no liberalismo por decreto de Mouzinho da Silveira (1832).
Foral de Pedrógão. Na idade média os forais (rurais) eram concedidos a um
núcleo de moradores (villa, vicus, locus), muralhado ou não.
Aí ficava sediado o novo concelho e a sua administração. O espaço circundante,
até aos limites da carta, designava-se termo.
Onde podia haver povoações. Eram as povoações do termo. «Termo» que não era
fixo, pois não raro os monarcas, a pedido dos povos ou a seu alvedrio,
ampliavam ou diminuíam os «termos» dos municípios.
Aquando
da outorga do foral de Pedrógão por D. Pedro Afonso (1206), certamente já
existiriam, entre outros, os núcleos do Coentral, Castanheira, Vila Facaia,
Graça e Pedrógão. Mas só um dos núcleos vai ter foral. Os demais ficam no termo. A carta delimitava assim o
território:
«In oriente foz de uniaes et inde per
meega usque dum nascitur. In occidente per capita de nadavis et inde per
directum ad capud de bouzaa et inde per carril quomodo uertir aquam ad almaegue
de goteri. In aquilone per uiam que ducitur ad sanctarem. In africo per
ozezar».
E,
quanto a destinatário, é outorgada aos moradores in villa que dicitur petrogonum.
Isto
é, aos moradores da vila denominada Pedrógão. E assim passou Pedrógão a ter o
seu foral. As demais povoações ficaram no termo.
Embora a jurisdição do foral contemple todo o território. Mas, o que identifica
um foral, uma freguesia, um concelho é a sua sede. E a sede do foral ficou em Pedrógão. Que tem o documento.
Uma coisa é «ter foral» outra coisa
é «ser tido por foral». E a Castanheira não teve. Foi tida pelo foral de
Pedrógão. Esteve a foro de Pedrógão. Não há dois forais.
Aliás,
está hoje aí no terreno (2016) um caso de flagrante semelhança. E que é este:
para os concelhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande
existe um tribunal de comarca, cuja competência territorial abrange globalmente
os três municípios. Mas daí, ninguém dirá que Castanheira de Pera «tem tribunal» ou que Castanheira de Pera
«é comarca». Castanheira de Pera
pertence ao tribunal e à comarca de Figueiró dos Vinhos. É da sede da comarca
que a jurisdição e competência irradiam para o território dos três
municípios.
Cartas de aforamento. Castanheira de Pera não teve foral. Mas é provável
que, nas primeiras centúrias da nacionalidade, tenha havido por aqui cartas de
aforamento (enfiteuse). Existem topónimos concelhios (Camelo, Vale do Mendo,
Dordio, Soeiro, Sarzedas do Vasco) cujo estudo poderá vir a revelar quem foram
os seus primeiros povoadores, senhorios e respectiva época. Na vizinha
freguesia de Alvares existe um lugar chamado Estevianas. Aparentemente poderia
pensar-se num apelativo relacionado com estevas (plantas, flores). Negativo.
Estevianas eram as terras de Estêvão Anes, seu povoador medieval.
Francisco H Neves
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(Texto publicado antes no jornal O RIBEIRA DE PERA do dia 17 de Dezembro de 2016.
in: O RIBEIRA DE PERA