Castanheira de Pera
1.- Duas listas, dois
executivos
Entre 1922 e 1926 o concelho de Castanheira de Pera
viveu um agitado tempo político. O caso enfatua-se com as
autárquicas de Novembro de 1922. Duas listas oponentes (a democrática e a
mixta) em que cada uma delas elege seis vereadores (Auditoria). Só que nunca
foi possível constituir maioria de qualquer lista (6 + 1) porque os vereadores
da outra lista ou não compareciam ou se afastavam. É interposto recurso
da Auditoria. Entrementes cada lista constitui o seu executivo.
Ambas se têm por legítimas, negando a legitimidade da outra. Ficou conhecido
como o «período das duas câmaras». Tempo agitado de ofícios telegramas,
participações, reuniões, sessões, auditorias, recursos. Episódios com o livro
de atas, chancela, selo branco, abertura de portas. A situação
arrasta-se no tempo (três anos), alegadamente, devido às delongas no Supremo
Tribunal em se conhecer do recurso interposto da auditoria administrativa.
Senado. O caso chega ao Senado onde foi
apresentado, discutido e votado o projeto de Lei nº 74, no sentido de ser
nomeada uma comissão administrativa. O projeto foi, porém, rejeitado, com
remissão para as leis ordinárias existentes. Mas o debate foi vivo e
interessante (nove senadores) e nele se dá conta, além do mais, de um parecer
da PGR, sobre a entrega de percentagens das contribuições, favorável a
uma das listas. O debate foi transcrito no «Diário do Senado», sessão nº 57 de
14/5/1926 e está agora disponível on line, versão
PDF, páginas 7 a 20. (Infra link 1).
O impasse das «duas câmaras» terminou de forma indireta com a
«Revolução de 28 de Maio», iniciada em Braga sob o comando do depois Marechal
Gomes da Costa. Pelo Decreto nº 11.875 de 13/7/1926, foram dissolvidos todos os
corpos administrativos do continente e ilhas adjacentes, (DG-I Série-150). (Link 2).
Monografia. Para outros desenvolvimentos,
nomeadamente locais, ver a «monografia do concelho de Castanheira de Pera» de
Kalidás Barreto, (3ª Edição, 2004, 166-175).
2.- Duas datas da fundação do
concelho.
Outra raridade nacional do concelho de Castanheira de Pera é
a existência de duas datas da fundação do concelho.
·
Uma
data oficial, legal, constitucional = 17 de Junho de 1914
·
Uma
data oficiosa, romântica, literária = 4 de Julho de 1914
Como assim ? Passemos então em revista:
O concelho de Castanheira de Pera foi criado pela Lei 203 de
17 de Junho de 1914,
na mesma data 17 de Junho de 1914
publicada no jornal oficial (Imagem 1).
Seguidamente, por Decreto de
27/6/1914, publicado no jornal oficial no dia 1 de Julho de 1914 foi
nomeada uma comissão organizadora do concelho (imagem 2).
E é esta comissão organizadora que, com pompa e
circunstância, aqui toma posse (instalação) no dia 4 de Julho de
1914, num ato solene tido ao tempo como de inauguração do
concelho (imagem
3).
(Ao tempo as leis entravam em vigor no terceiro dia após a sua publicação no jornal oficial. A posse não podia ter ocorrido antes).
(Ao tempo as leis entravam em vigor no terceiro dia após a sua publicação no jornal oficial. A posse não podia ter ocorrido antes).
Imagem 1.
A lei 203 no jornal oficial de 17 de Junho de 1914.
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Lei nº 203 . Destaque
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Imagem 2.
Decreto nomeando a comissão instaladora, no jornal oficial de 1 de Julho de 1914
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Decreto. Destaque.
(Composição da comissão instaladora) |
Imagem 3.
Inauguração do concelho em 4 de Julho de 1914.
(Imagem in «monografia do concelho» de Kalidás Barreto)
|
2.1- Feriado municipal.
No ano seguinte (1915) o poder local autárquico instituiu feriado municipal o
dia «4 de Julho», para nele se comemorar a «fundação do concelho». Opção
ratificada agora durante os «anos setenta».
Só que, não sendo possível arrastar no calendário o «17 de
Junho» para dentro do «4 de Julho», daí resulta um arco da fundação
entre duas datas. «17 de Junho» (data da criação ) e «4 de
Julho» (data da comemoração). Na primeira o animus
(convicção) e na segunda o corpus
(realização). Mas isto implicava a comemoração das duas datas, ainda
que simbolicamente. No limite o não apagamento de alguma delas. Sucede,
porém, que o arco
da fundação -
qual arco-íris - cedo deixou de se avistar no horizonte da festaria. Com
efeito,
2.2- (Animus). Da Lei 203 e do seu Decreto
complementar nenhuma «imagem» se
alcança nos corredores do município, nem no boletim municipal, nem na
monografia. Nos cartazes anuais do «4 de Julho», nenhuma referência
ao «17 de Junho», nem mesmo nos mais emblemáticos (cinquentenário e centenário).
E quanto ao site do
município uma perplexidade.
2.3- (Corpus). Já quanto a eventos, pelo
menos com e depois do «cinquentenário», todos se têm concentrado no
âmbito do «4 de Julho». Foi sempre o «4 de Julho» a sair á rua. A
andar por aí em estradas e avenidas. Cortejos, palcos e arraiais. Tasquinhas e
bares. Tertúlias, inaugurações, exposições, conferencias, eventos vários. Daqui
transitou para a imprensa (jornais), instalou-se na literatura (livros) e nos sites de
referencia. Enquanto o «17 de Junho» sempre se ficou pelos gabinetes ou
em arquivo. Nunca saiu à rua nem para um evento simbólico. Quase ninguém
o conhece.
2.4- Consequências. Ora isto tem consequências cívicas e
literárias. Há hoje (2018) cidadãos castanheirenses - jovens e adultos - com a
convicção adquirida de ser o «4 de Julho» a data da fundação do concelho.
E há despachos na imprensa, na literatura e em sites de
referência, consignando ser o «4 de Julho» a «data da criação» do
concelho de Castanheira de Pera ! (Link 3). É
o resultado típico de comportamentos objetivos não explicados, (Art.º
236º nº 1 CC).
2.5- Juízo. E perante isto que dirá um
jurista? Sem prejuízo das coisas românticas, dirá que os conceitos de
«constituição, criação e fundação» são termos que aqui expressam a mesma ideia
de inicio. São sinónimos jurídicos reais. E dirá que estando em vigor, como
estão, os Art.º
1º e Art.º 4º da Lei nº 203 e a parte inicial do
Decreto complementar, referidos, a data oficial
da (constituição, criação, fundação) do concelho de Castanheira de Pera é o dia 17 de Junho de
1914, estando errado tudo o que em sentido diferente constar, mesmo em
repartições oficiais. E só deixará de ser assim mediante uma alteração
legislativa. A data terceira (4 de Julho) teria sido juridicamente impossível
sem a data segunda (1 de Julho) e esta impossível sem a data primeira (17 de
Junho) que é a data criadora. A data em que o jornal oficial deu à luz o
concelho de Castanheira de Pera.
2.6- O site do município. Durante cerca de uma década a página
eletrónica do município manteve on line esta perplexa informação :
«A lei nº 203, que aprovava a criação do concelho, foi publicada
no Diário do Governo, I série, nº 99, de 17 de Junho de 1914. Em 4 de Julho de
1914, é fundado o concelho de Castanheira de Pera».
Com o devido respeito, esta mensagem continha três erros de
interpretação.
Primeiro: Na Lei nº 203 não há dois momentos (aprovar e criar). Há um só momento
(criar). O outro (aprovar) ficou atrás com o projeto. Nem há anexo.
Segundo: O tempo verbal não é o imperfeito (criava), mas sim o perfeito (criou).
Terceiro: Em 4 de Julho de 1914 o concelho já estava fundado há dezasseis dias. Em
4 de Julho de 1914 o concelho foi inaugurado. Instalado.
Dito isto. O site oficial de um município deve proporcionar
informação histórica segura, fidedigna, visto ser constante fonte de pesquisa
por estudiosos, jornalistas, autores, escritores, mestrandos e doutorandos. Que
não podem ser induzidos em erro por um sitio tido de confiança.
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3.- Dois dezassetes (o
direito e o avesso)
Vimos então que o dia 17 de Junho de
1914 é a data oficial da criação do concelho de Castanheira de Pera. Há
mais de cem anos. Um marco histórico. É um dia do direito.
Já o recente dia 17 de Junho de
2017 foi um dia do avesso. O dia em que uma devastação
fulminante (incêndio) deixou marcas profundas de luto e dor. Dois
substantivos de origem comum. Dois dezassetes separadas por um século. Todas as
comunidades têm os seus dias do direito e do avesso. Fazem parte da sua
História.
4.- Castanheira de Pera.
Monarquia e I república.
Encontra-se atualmente em linha o sitio dos
«Debates Parlamentares», (Monarquia Constitucional, 1ª República, Estado Novo,
3ª República). Texto versão PDF. Interessante e surpreendente a riqueza da
informação histórico-parlamentar da nossa região. Desde a monarquia à
atualidade. O trabalho dos nossos deputados e senadores. Projetos. Iniciativas.
Episódios. Para alem do debate sobre as «duas Câmaras» (1926) e a fundação do
concelho (1914), ver-se-á dantes o projeto para transferir a sede de
concelho para Castanheira (1893); a ideia de Alvares anexar o Coentral (1837);
o episódio do nosso tenente-médico candidato, mandado apresentar em Lisboa e a
posterior discussão entre os Dignos Pares do Reino (1901); o projeto de elevar
Sarzedas de São Pedro a freguesia, (1916). E por aí adiante. Fica a
sugestão. Monarquia e I república. (Link 5).
Para todos um Bom Ano.
Francisco H. Neves
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Link 5 = (Monarquia e I República)