Castanheira de Pera in Pedrógão
Grande durante 700 anos (1206/1914)
Que não nos anteriores 70 anos da herdade (1135/1206)
1).
Território. O território do
atual concelho de Castanheira de Pera (freguesias de Castanheira de Pera e Coentral)
fez parte integrante do vizinho concelho de Pedrógão Grande durante mais de 700
anos. Desde 1206, ano do foral de Pedrógão em cujo termo W ficou,
até à desanexação em 1914. Em rigor foram 706 anos, já
descontando os dois anos transitórios (1895/1898) em que foi integrado no concelho
de Figueiró dos Vinhos. É uma ideia a reter. Sempre são 700 anos de História deste
espaço.
2). Herdade. Coisa diferente se passou nos anteriores 70
anos da herdade (1135-1206= -71). Vários sítios veiculam a interpretação
romântica segundo a qual a «herdade de Pedrógão de 1135» abrangia também
o território das atuais freguesias de Castanheira de Pera e Coentral.
Negativo. A herdade de Pedrógão não
incluía parcela alguma do território castanheirense. Nem incluía o território
da vizinha freguesia de Campelo, território que aliás no ano seguinte (1136) ficou
a foro de Miranda onde se manteve durante séculos, até ao liberalismo. Isto
releva porque não adianta procurar distante da herdade um elemento
confinante com a herdade (mosteiro).
3). Limites. Já discorremos sobre esta matéria. (Link 1). Hoje trazemos elementos complementares. Recuperemos então os limites da «herdade
de Pedrógão de 1135», latifúndio que D. Afonso Henriques doara a três
nobres (Uzberto, Mónio Martins e Fernando Martins), por serviços prestados e a
prestar.
Texto latino: «Habet enim
terminos per montem qui vocatur Signum Salomon et inde per cimalias de Alvares
ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps per
cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et per cimalias de Nadavi
ac deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit
Algia cum Unzezar et inde unde primus incoavit».
Tradução:
«Tem os seguintes limites: pelo monte que chamam do Signo Saimão, e pela
cumeada de Alvares, e pelas de Sonieir, de Amioso, de Escalos, de Salzedas e de
Ana de Avis; daí vai ao mosteiro de Alge, desce pela ribeira do mesmo nome até
à confluência com o rio Zêzere e vai por este até ao ponto onde começou». Sendo
que: «Amioso, Escalos, Salzedas (ou Sarzedas) e Ana de Avis são topónimos que
se mantêm».
Atualmente (2020) existem meios eletrónicos de medição e demarcação
de grandes propriedades agrárias. Todavia, vamos ainda assistir
aos trabalhos dos antigos engenheiros agrimensores e sua cadeia do
agrimensor.
4) Visto de Pedrógão. Posicionado
na vila de Pedrógão Grande, o observador / intérprete verá o engenheiro
agrimensor fixar o cabo da sua cadeia no monte sinal de Salomão (Penedo) e daí desenvolvê-la
sucessivamente, pelo cume de Alvares, pelo cume Sonier, pelo cume de Amioso, pelo
cume dos Escalos, pelo cume de Sarzedas, pelo cume de Aldeia de Ana de Aviz, pelo
mosteiro da ribeira de Alge, pela foz da
ribeira de Alge no Zêzere e por este rio
acima até ao ponto onde começou. Com assim ficando demarcado, nos seus contornos,
o perímetro da herdade. Resultado: nenhuma parcela do atual
concelho de Castanheira de Pera se mostra contida neste perímetro. Há só linhas
confinantes. Outrossim não incluído o território da freguesia de Campelo.
5) Visto da Castanheira. À mesma conclusão chegará o observador / intérprete,
quando posicionado na vila de Castanheira de Pera. Daqui ele verá o engenheiro agrimensor fixar o
cabo da sua corrente no pico do Trevim e daí desenvolvê-la, sucessivamente,
pelo cume do Santo António da Neve - pelo cume da Safra – pelo cume da Gestosa
– pelo cume das Fontes - pelo cume do Vermelho / Esqualos - pelo cume das
Sarzedas / Salaborda e daí até ao cume de Aldeia de Ana de Aviz. Resultado: a herdade
de Pedrógão situa-se a oriente desta linha, embora em parte confinante. Decerto
não se duvidará que a cumeeira Trevim – Santo António da Neve - Safra – Gestosa
– Fontes - Vermelho – Sarzedas - constitui uma ossatura, uma aba,
uma falda integrante da Serra da Lousã. É Serra da Lousã. (Link 2). E concretiza no terreno a teoria genérica dos autores que referem
ir a herdade de Pedrógão «desde a Serra da Lousã até ao Zêzere».
6). Escopo da missão. Também por
aqui se compreende a não inclusão na herdade. É que doador e donatários eram nobres, militares.
A herdade situava-se ao longo da margem direita do rio Zêzere, cuja
defesa militar visavam. Não seria do
vale da ribeira de Pera que se vigiavam as margens do rio Zêzere…
Quanto ao mosteiro (monasterium de
Algia), entre militares e naquele tempo, teria também função militar.
Situar-se-ia num morro (entre Aldeia Ana de Aviz e a foz da ribeira de Alge) com
mira para o rio Zêzere. “Algia” significava nesse tempo «ribeira fria» (do latino «algeo»,
ter frio).
A doação da herdade viera a ficar sem efeito
(reversão), visto que voltou a ser objeto da doação de D. Sancho I a D. Pedro
Afonso no ano de 1200. Ainda não se conhece a motivação. Mas sabe-se que
a partir de 1135 as ações militares se sucederam no terreno. A batalha de
Ourique (1139) e, mormente, as tomadas de Santarém e Lisboa (1147) de que
resultou significativo aumento do território. Os três nobres donatários da herdade
estavam dentre «os mais dilectos cavaleiros» de D. Afonso
Henriques. Decerto o acompanharam nessas operações. Terão sido compensados e
investidos noutros cargos militares. E desligados da missão Pedrógão. É o que
se afigura mais provável, mas obviamente, carecido de confirmação.
7). Herança. Apesar
de não integrar a herdade o território castanheirense acabou por ser «herdeiro»
da herdade.
Desde logo a linha divisória entre os dois concelhos
(Castanheira de Pera / Pedrógão Grande). A linha divisória 2020 é sensivelmente
igual à linha divisória 1135.
Depois o topónimo Sarzedas. Se era povoado ou local
rústico não se sabe, mas constitui hoje (2020) a menção escrita mais antiga conhecida
na toponímia concelhia.
Do tempo da herdade ficou ainda a «estrada
de Santarem», trilho militar porventura de relevo aquando das ações
militares a Santarém (1147,1184). (Link
3).
8. Foral. A «estrada de Santarém» com a sua carga
militar envolvente e a ribeira de Pera com a sua bacia hidrográfica unificadora
terão porventura constituído factos de relevo na chancelaria régia - D. Sancho I e D. Pedro Afonso - para a inclusão deste espaço
(depois freguesias de Castanheira de Pera e Coentral) no foral de Pedrógão de
1206, em cujo termo W se manteve durante mais de 700 anos.
Francisco H. Neves
Link 1 - O Ribeira de Pera
Link 2 = Falda
Link 3= O Ribeira de Pera