dia de amigos - dia de amigas - dia de compadres - dia de comadres - na literatura.
Elvas - Ilha Terceira - Monchique – Sertã - Vila
Nova do Paiva
Esta «Fraga» vem no seguimento da inserida em edição
de 31/12/2019 e visa percorrer a escassa literatura nacional numa abordagem
continuada ao «dia de amigos/as».
1| António Cabral. Douro. António Joaquim Magalhães Cabral, (1931-2007), escritor
duriense (Link 1), autor de «Tradições
Populares II», edição INATEL, 1999. No cap. 13 escreve: «As tradicionais
folias carnavalescas das comadres e dos compadres ocorrem por via de regra, nas
duas quintas-feiras que antecedem a terça-feira gorda, podendo em algumas
localidades, compreender as duas quintas-feiras anteriores, segundo esta ordem:
Amigos, Amigas, Compadres Comadres». Todavia, não fez constar os lugares
das celebrações «amigas» e respectivos programas, o que seria interessante para
memória futura. Ainda assim, regista: «...o costume… em Castelo (Sertã)… vem
logo a seguir ao Dia de Reis».
2| Fonseca da Gama.
Vila Nova do Paiva. Com
prefácio de Aquilino Ribeiro (1885-1963), «Terras do Alto Paiva», Lamego,
1940», é uma obra culta, autoria do Cónego Manuel Fonseca da Gama, (1882-1950),
acerca do concelho de
Vila Nova do Paiva, geografia, história, vida e costumes regionais. (L2). E, dentre estes, no cap. XV, a seguir ao Natal,
comenta: «Vem depois a quadra folgazã, bulhenta e barulhenta do Carnaval. Onze dias antes da Septuagésima, na 5ª feira,
é o dia de Amigos; na 5ª feira imediata, o das Amigas; na 5ª
feira que precede a sexagésima é o dia dos Compadres; o das Comadres
é a que antecede o domingo gordo. Não têm aqui outro significado, senão em se
juntarem os amigos a fazer uma súcia animada. Pelos compadres é que as
raparigas costumavam fazer uns bonecos de palha ...». Não factualiza o reverendo cónego o conteúdo da «súcia animada», mas tratar-se-ia duma ludicidade típica
da quadra, incluindo uma pandegazinha queirosiana. Nota – Neste livro ninguém fica indiferente à
«sentença do juiz de Barrelas» (103), ao Prior do Crato homiziado em
Fráguas (338), à paisagem da «Cintra da Serra» (321), além do mais.
3| Castanheira de
Pera. Quando em 2015
se restaurou em Castanheira de Pera o «dia de amigos», ainda permanecia «in
cloud» alguma reminiscência de coisa antiga... E com fundamento! O Cónego Fonseca da Gama, nesse seu livro «Terras
do Alto Paiva», insere a abrir, «palavras prévias» de louvor à terra e, de permeio,
certifica: «A Igreja com o seu mistério …
com as festas solenes de música e foguetes… mordomos ufanos da sua
importância, enfrascados nos seus fatos de cheviote ou grossa casimira e jaleca
de carapinha, fazenda que o Barros da Castanheira de Pera carregava em
fortes machos e vendia de porta em porta, como o Cura a tirar o folar…».
Tratava-se de António de
Barros, probo industrial de Castanheira de Pera (lanifícios), «patriarca»
da família Barros (que viveu nas Vacalouras), que assim percorria as Beiras,
por toda a parte fazendo amigos. Em terras do «Alto Paiva» integravam a
tertúlia: Aquilino Ribeiro – Fonseca da
Gama – António de Barros. E terá sido por via deste empresário e seus assessores
que o «dia de amigos» se presume importado para Castanheira de Pera.
Hoje o seu bisneto Pedro Barros é aqui co restaurador (2015) e dinamizador deste
«segundo tempo» da Amizade. Afinal
trazendo consigo o ADN do bisavô!
4| Joaquim Nogueira. Sertã.
Natural de Várzea
dos Cavaleiros - Sertã, Joaquim Dias Nogueira, (1933 - ), descreve no seu livro «Memórias de
um Beirão da Zona do Pinhal», 2014, (L3), como
eram vividas no seu tempo e na sua freguesia as quatro quintas-feiras
anteriores ao «Entrudo»: quinta-feira de rapazes, quinta-feira de raparigas,
quinta-feira de compadres e quinta-feira de comadres. Na «quinta-feira de rapazes» estes, depois de
bem comidos e bem bebidos (pandegazinha queirosiana) dirigiam-se a uma encosta
defronte onde procediam à divisão do burro pelas raparigas da povoação. Na
seguinte «quinta-feira das raparigas» estas juntavam-se na casa de uma delas
para comentar a divisão. Gargalhadas, doces, aperitivos. Os dias de compadres (sumo da uva) e comadres
(chá e torradas) eram celebrações caseiras. Para maior desenvolvimento cf. «Animus
Semper». (L4). A propósito, dir-se-á que também pelo concelho
de Castanheira de Pera, até há cerca de 40 anos, a «partilha do burro»
era evento carnavalesco, ainda presente na memória dos maiores.
5| Veiga de Oliveira. Etnólogo.
Ernesto Veiga de
Oliveira, (1910-1990), conceituado etnólogo é o autor de «Festividades
Cíclicas em Portugal», D. Quixote, Lisboa, 1984 (L5). No cap. 3 desenvolve os «Compadres» e as «Comadres» («ciclo
do carnaval»), escrevendo: «De um modo geral o início do ciclo é impreciso,
mas… no Castelo (Sertã) ele começa logo depois dos Reis…».| «Por vezes, como
é o caso da Ilha Terceira (Açores) e em alguns raros lugares do continente,
designadamente na Beira Alta, em Terras do Alto Paiva e em Monchique, e numa
forma que corresponde porventura à cerimónia originária completa, a celebração
compreende, além das quintas-feiras dos compadres e das comadres, mais duas
quintas-feiras, que antecedem aquelas e que se chamam, por ordem de datas, quinta-feira
de Amigos e quinta-feira de Amigas.
E, em notas de rodapé - pág.
21 e 52 - citando Van Gennep, amplia:
«Em França,
encontramos o paralelo destes costumes no Bourbonnais, por exemplo, onde
se celebra a quinta-feira anterior ao carnaval como sendo o dia da festa dos
rapazes, o domingo de carnaval como o das raparigas, a quinta-feira seguinte
como o das mulheres e o primeiro domingo da quaresma como o dos homens; em Mônetier-les-Bains, onde
se celebram as quatro quintas-feiras anteriores ao carnaval, tal como entre
nós, como sendo as dos rapazes, raparigas, pais e mães, respetivamente; e na Alsácia,
onde além da festa dos amos, em domingo gordo, se celebram os dois primeiros
domingos de quaresma, como sendo os dos rapazes e das raparigas».
Seguidamente cita localidades
e variantes (norte a sul) dos compadres e comadres e, quase a
final deste cap. 3, regista: «… em Elvas, nas Quintas-Feiras de
«Comadres» e de «Amigas» (primeira e terceira semanas antes do carnaval), e nas
de «Compadres» e de «Amigos» (segunda e quarta), as raparigas e os rapazes,
respetivamente, reúnem-se em casa de uma delas e de um deles, comem, bebem,
cantam…».
6| José Gascon.
Monchique. José António
Guerreiro Gascon (1851-1950), publicou em 1919, na «Revista Lusitana», volume
XXII, (L6), um artigo desenvolvido sobre «Festas
e Costumes de Monchique», festas religiosas, costumes vários e, dentre
estes, um sorteio de comadres e compadres. «E, como o tratamento de compadre
é muito apreciado e preferido a qualquer outro…». E em exclamação final: «Pois
se até na quaresma, além das quintas-feiras de amigos e d’amigas, uma quinta-feira
de comadres e outra de comadres!». Contudo, o autor não refere o significado
destes dias da amizade, decerto notórios ao tempo, mas sem memória futura. O
texto foi depois transcrito no livro: «Subsídios para a Monografia de
Monchique», (1957).
7| Manuel Andrade.
Angra do Heroísmo. Na
Ilha Terceira, Açores, pontificou Manuel Joaquim Andrade, (1879-1961), que em janeiro
de 1918 inicia a publicação do «Almanaque do CAMPONEZ», onde logo fez
eco destes eventos e seus programas: dia
de amigos (uma pandegazinha pacata); dia de amigas (confidencias no
feminino); dia de compadres (filhoses e presente aos afilhados); dia
de comadres (bulezinho de chá). «Almanaque do CAMPONEZ», cuja publicação se
tem mantido ininterrupta até aos nossos dias, com já nas bancas a 104ª edição
(2021). São mais de 100 anos a partilhar a chama da Amizade. Contributo valioso para a dinâmica que estas tradições
assumem em toda a Região Autónoma e sua diáspora. Caso ímpar a nível
nacional!
8| Dia de amigos. Programa.
Fontes. Hoje o dia de amigos tem feição visivelmente
popular, mas a sua origem terá sido fidalgo-burguesa. Mutações várias ocorreram
na última meia dúzia de gerações. O «programa» (jantar) provém do mundo
pândego (pândega, pandegazinha, pandegaria), tão bem retratado pelos escritores
naturalistas Eça de Queiroz e Aloísio de Azevedo, no último quartel do século XIX;
mundo onde se insere um fino fidalgo açoriano (Carlos Fradique Mendes (1830-1888) neto da tradutora de Klopstock). Quanto às raízes, melhor dizendo agora,
quanto às «fontes» o «funil de captação» é muito amplo, mas o essencial provirá
do «dia de rapazes» e do desdobramento (ou não cumulação) do «dia de compadres».
Com efeito: a). Conversão do «dia
de rapazes» em «dia de amigos», conceito mais chique como diria Dâmaso
Salcede de «Os Maias» (1888). Paradigmático o «jantar de rapazes» que
o conselheiro Acácio ofereceu, por sinal numa quinta-feira, a cinco convidados,
mas que repetidas vezes (seis) trata de «meus amigos» (1878). Em suma: Jantar
de rapazes = jantar de amigos. Outros jantares de rapazes houve
no H. Universal. b). Veiga de
Oliveira in «Aspectos do compadrio em Portugal», (Separata. Dep. legal 49693/60),
sobre compadres de batismo, enfatiza: «O tratamento de «compadres» entre os
padrinhos e pais dos afilhados não é de uso geral, especialmente entre as
classes elevadas…». Ora, se estes
compadres elevados não se têm como tal, então o seu lugar passará pelo dia
de amigos. c). Compadres (parentesco) ultramontanos permanecendo no
caseiro dia de compadres e compadres anticlericais a transitar para o dia de amigos.
d). Compadres de carnaval. Geralmente confecção de bonecos,
vestidos de homem (compadres) por parte das raparigas e de bonecas,
vestidas de mulher (comadres), por parte dos rapazes.
Exibidos por um grupo e de que o oposto se tenta apoderar. Por fim a queima dos
bonecos, pretexto para testamentos jocosos e satíricos, assuadas, troças, pulhas, cujos excessos causaram protestos e zaragatas. O costume foi-se extinguindo e
a rapaziada transitando para o dia de amigos. e). Ainda os
inconvenientes do bródio caseiro, conforme referido na edição anterior
(31/12/2019).
9|Em síntese: É escassa a literatura nacional sobre o dia de amigos/as. Campo aberto a antropólogos, etnólogos, sociólogos, investigadores. Arnold Van Gennep, (1873-1957) é o antropólogo mais citado por António Cabral e Veiga de Oliveira.
Francisco H. Neves
Link 1 ANTÓNIO CABRAL
Link 2 FONSECA DA GAMA
Link 3 JOAQUIM NOGUEIRA
Link 4 ANIMUS SEMPER
Link 5 VEIGA DE OLIVEIRA
Link 6 REVISTA LUZITANA
Link 7 VAN GENNEP
Link 8 EDIÇÃO ANTERIOR
Texto in O RIBEIRA DE PERA edição impressa de 31 de Dezembro de 2020