APLICOU ILEGALMENTE O ACENTO CIRCUNFLEXO (^)
SOBRE TOPÓNIMO CASTANHEIRA DE PERA.
ENVIADOS AO JORNAL OFICIAL VARIOS DIPLOMAS
CIRCUNFLEXOS
1| Vem de 1911 a legislação sobre a aplicação do acento circunflexo «^» na
«pêra botânica». A ortografia portuguesa chegou à monarquia constitucional
ainda descoordenada, despadronizada. Foi então que dois filólogos tomaram a
iniciativa privada de publicar em 1885 as «Bases da Ortografia Portuguesa», um
volume de 16 páginas impresso na Imprensa Nacional «para circular
gratuitamente». Este trabalho está on line e foi precursor da
escrita oficial no início da I República. De facto, por portaria do Ministro do
Interior de 15/2/1911, (in DG nº 39 de 17/2/1911) foi nomeada uma comissão de
eminentes personalidades para providenciar pela uniformização da ortografia
oficial. A comissão apresentou o seu relatório com a
ortografia proposta, com a qual Governo concordou e, por portaria do mesmo
Ministro de 1/9/1911, (in DG nº 206 de 4/9/1911) foi mandada publicar no jornal
oficial para ser seguida nas escolas, documentos e publicações oficiais. Veio a
ser publicada no «DG nº 213 de 12/9/1911, on line. Consta de três partes, sendo
pertinentes para o caso a base XXIX e a regra nº 90/f em
que se manda grafar com acento circunflexo («^») o vocábulo «pêra» para
se diferenciar da antiga preposição «pera». Todavia,
2| Em 1914 as leis da criação do concelho não seguiram o acento circunflexo «^». Apesar da proximidade temporal (1911-1914) o certo é que no Parlamento (Comissões, Câmara Deputados, Senado e Congresso da República) nos projetos, discussão e na lei nunca se marcou o nosso topónimo com o «^» da «pêra botânica» (fruto da árvore). Continuou-se a escrever «Castanheira de Pera» sem «^», como se alcança das actas dos debates parlamentares. Vejamos então as leis da fundação do concelho.
2.1| Criação. Desde logo a Lei nº 203 de 17/6/1914 in DG nº 99 – I Série, on line. É a Lei criadora/fundadora do concelho de Castanheira de Pera. Uma Lei que cria um concelho cria também o seu topónimo (nome oficial). (Tal como um assento de nascimento no registo civil cria o nome do registado). E no corpo da Lei 203 ficou, por três vezes, inserido o topónimo «Castanheira de Pera» sempre sem «^».
2.2| Instalação. Logo a seguir veio o diploma da instalação, o Decreto de 27/6/1914, in DG – II Série nº 151 de 1/7/1914, com a lista da comissão instaladora. Mais duas menções de «Castanheira de Pera», uma no sumário e outra no corpo do decreto sem qualquer «^». (Este diploma, para além da listagem, é também confirmativo: o concelho de Castanheira de Pera foi «criado» em 17 de junho de 1914).
2.3| Bandeira. Mais tarde, pelo Ministro do Interior, a Portaria nº 8.093 de 30/4/1935, in DG nº 98 – I Série, on line, com a constituição heráldica da bandeira, armas e selo do Município. Também aqui foi inserido por quatro vezes, o topónimo «Castanheira de Pera», uma no sumário e três no corpo da portaria. Tudo sem «^».
2.4| A motivação pela qual em 1914 o Congresso da República não seguiu o «^» da «pêra botânica» não consta das atas. Mas terá resultado dalgum destes juízos: a| Que o «^» se destinava somente à «pêra» comum e não aos nomes próprios. b| Da etimologia (origem) dos vocábulos. A pera botânica (fruto da árvore) provem do étimo latino «pirum, pira», (som fechado), enquanto a pera geológica (pedra da montanha) provém do étimo grego/latino «petra, petrae» (pedra), (som aberto). Sendo que o topónimo «Castanheira de Pera» provém de «Castanheira (da Ribeira) de Pera»; «Ribeira de Pera» provém da «Selada de Pera» de onde tomou seu nome; «Selada» que significa «concavidade oblonga” numa montanha de pedra, (petra); «petra» que evoluiu petra, pedra, péra, pera, Pera; («petra» som aberto incompatível com um «^»). c| Ou simplesmente da constatação de que face a estes três vocábulos (pêra, pera, Pera) é fácil distinguir o fruto, o topónimo e a preposição antiga (pronúncia p’ra), sem necessidade de mais acento diferencial. Acentuando «^» também a «Pera» (topónimo) como é que depois se distinguem as duas peras (pêra e Pêra) entre si? Pela maiúscula! Então usar aqui o «^» seria uma inutilidade prática.
3| «Fica revogada a legislação em contrário». Durante a monarquia constitucional e a primeira república era uso os diplomas legais findarem com a fórmula: «Fica revogada a legislação em contrário». Isso aconteceu até com a própria Lei 203. Mas esta fórmula veio a tornar-se inútil, dado as múltiplas interpretações que permitia. Por isso em 1933 o legislador veio a fixar o critério da revogação expressa nestes termos: «Só podem empregar-se nos diplomas de caracter legislativo fórmulas de revogação expressa» (Artº 10º do Decreto nº 22.470 de 11/4/1933, in DG nº 83- I Série, on line). Para Castanheira de Pera isto é importante face ao que veio em 1945.
4| A Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945. A repetição da pêra botânica. Entretanto é concluído o Acordo Ortográfico de 1945 (AO1945), trabalho da Academia de Ciências de Lisboa e Academia Brasileira de Letras, reunidas em Conferência Interacadémica de Lisboa, que o Governo Português aprovou e mandou executar nos termos do Decreto nº 35.228 de 8/12/1945, on line no DG/273/IS e no dicionário priberam. Este novo Acordo contém na Base XXII a mesma regra do «^» de 1911 para distinguir a «pêra» substantivo da «pera» preposição arcaica. Assim era de aguardar, à semelhança de 1914, que a regra fosse dirigida apenas à «pêra» comum. Sucede que desta vez saiu para o campo uma segunda forma de grafar o topónimo concelhio deste jeito: «Castanheira de Pêra». Perante isto cumpria proceder, em tempo, a uma interpretação conjugada dos dois regimes ortográficos (1911 e 1945) com dois diplomas intercalares (1914 e 1933) publicados de permeio, a saber.
4.1| Diplomas intercalares. A| O primeiro quando em 1914 o Congresso da República pela Lei nº 203 não só não seguiu o critério «^» da pêra botânica de 1911, como consagrou o critério da pera geológica ao criar o topónimo «Castanheira de Pera» sem «^». B| O segundo quando em 1933 o legislador, pelo dito Decreto 22.470 decretou o regime da revogação expressa. | Ora percorrendo todo o AO1945 verifica-se que nele se citam e atualizam dezenas de topónimos, mas nada consta do topónimo Castanheira de Pera ou seu elemento Pera. (Como vg se fez na mesma Base XXII com o elemento «Côa» do topónimo Vila Nova de Foz Côa»). Significa isto que, sem alteração expressa alguma, o topónimo mantem-se firme e em pleno vigor dentro da Lei nº 203. C| A este quadro legal acresce uma norma diplomática fonte do AO1945. A Delegação Brasileira à Conferencia Interacadémica de Lisboa trouxe um «Formulário Ortográfico» de Instruções (on line in priberam), cujo ponto 42 consigna que «Os topónimos de tradição histórica secular não sofrem alteração alguma na sua grafia…». É o caso da Ribeira de Pera que há mais de 400 anos, desde a criação da Paróquia de S. Domingos em 1506, tem sido a grande referência desta região. Com 4 séculos de história escrita e falada o elemento «Pera» tem legado histórico suficiente para não ser equiparado a qualquer pêra botânica, debaixo de igual «^». Em diplomacia vale o princípio da reciprocidade.
5|Tratado internacional? Na hierarquia das leis o intérprete 1945 pode ter qualificado o AO1945 como um tratado internacional, acima da lei ordinária nacional (revogação tácita). Negativo. O AO1945 tratou-se dum acordo oficioso, obtido e assinado entre academias, para depois ser presente aos respetivos governos, «para os fins convenientes». No Brasil nem chegou a vigorar. Em Portugal entrou em vigor pelo referido Decreto nº 35.228 de 8/12/1945, que constitui legislação ordinária corrente.
6| Interpretação conjugada x Interpretação literal. Uma vez aqui chegados temos que a interpretação adequada teria sido a que conjugasse todos os elementos conexos (de facto e de direito) e daí extraísse a conclusão de que a Lei nº 203 se manteve sempre em vigor com a sua forma oficial de escrever «Castanheira de Pera», sem «^». Já numa interpretação literal, desconectada, sem distinguir «grafia única» de «acentuação única», teve-se que o «^» da pêra botânica migrou para Pera geológica e dessa feita o topónimo concelhio andou no mercado deste jeito «Castanheira de Pêra». Ora isto foi um erro e, enquanto se não mostrar que a Lei nº 203 fora expressamente alterada, uma ilegalidade. Sem prejuízo de, na escrita privada, cada um escrever como entender.
7| O Acordo Ortográfico de 1990 x
As mazelas que ficam do anterior. Entretanto é aprovado e publicado o
novo Acordo Ortográfico 1990. Este sim é constitucionalmente um tratado
internacional, porque acordado e assinado entre Estados. Publicado
no «DR» /193/IS-A/23/8/1991 está também on line no dicionário
priberam. Por Resolução Conselho Ministros nº 8/2011 (in «DR»
/17/IS/25/1/2011) é de aplicação nos serviços oficiais desde janeiro/2012.
Neste acordo caiu o «^» na pera botânica e, reflexamente, o migrado para a pera
geológica. Mas ficam as mazelas, não na pera botânica, mas no topónimo
concelhio. 1| Nas Bibliotecas públicas e privadas
dicionários, enciclopédias e publicações circunflexas continuam
disponíveis para consulta e estudo, suscetíveis de induzir em erro quem as
manusear. 2| A sinalética rodoviária nalgumas vias de acesso
ao concelho ainda se mostra circunflexa e na internet alguns sites ainda
vêm de «^». 3| No jornal oficial a variante
ortográfica esteve presente até ao atual AO1990 e mesmo na vigência deste ainda
chegam diplomas grafados «^». (Aqui ajudaria o site «INCM. Grafia nova»). || Agora
o que se pode haver da variante «^» é conhecer factos da História concelhia.
Para tanto: a) Abrir a página on line do
«Diário da República» e, na janela de pesquisa «o que procura» inserir
Castanheira de Pera e fazer enter; b) De
seguida clicar em simultâneo nas duas teclas Ctrl+f e,
na janela que se abre, inserir de novo «Castanheira de Pera».
Marcadores acionados. Agora é ir navegando e conhecer!
Fn
PS.
Este nosso texto revê e atualiza os anteriores.
LINKS :
1885. Bases da Ortografia Portuguesa
1911. Relatório Ortografia Portugesa
1914. Lei 203. Criação concelho C.Pera
1914.Comissão Instaladora concelho C.Pera
1935. Portaria Bandeira concelho C.Pera
1933. Decreto da revogação expressa
1945. Acordo Ortográfico priberam
1945. Acordo Ortográfico. Diário Governo
1945. Formulário Instruções Brasileiro
1990. Acordo Ortografico priberam
1990. Acordo Ortográfico. Diário Republica
2011. Resolução Conselho Ministros nº 8
INCM. Grafia Nova para o Diário República
(in «O Ribeira de Pera» edição impressa de 30 novembro 2024)