quinta-feira, 6 de junho de 2024


As duas cumeadas vindas de  Pedrógão Grande 

 

W. Parque eólico da Origa sobre a «via de Santarém»



 










  

  • Cumeada da «herdade de Pedrógão» (1135) a nascente (E) 
  • Cumeada do «foral de Pedrógão» (1206) a poente (W)


1| Acidentes naturais. O território do concelho de Castanheira de Pera situa-se entre duas cumeadas ambas “vindas” de Pedrógão Grande. Uma a nascente («herdade de Pedrógão»), outra a poente («foral de Pedrógão»). De permeio este vale da ribeira de Pera onde se situam os agregados urbanos. Aquando da «reconquista» cristã (conduzida pela nobreza visigoda, classe militar e proprietária) à medida que esta avança as terras recuperadas ficam pertencendo à coroa que delas faz sucessivas doações por apaniguados e ordens religiosas. Nessas doações e forais antigos os limites eram fixados considerando os acidentes naturais do terreno: hidrografia e relevo.

 

2| «Herdade de Pedrógão». É nesta dinâmica «reconquistadora» que surge em 1135 a «herdade de Pedrógão», objeto de doação de D. Afonso Henriques a três nobres (Uzbert, Mónio Martins e Fernando Martins) por serviços prestados e a prestar. Com «herdade» no sentido de grande extensão de terreno. Os limites eram estes: 

«Habet enim terminos per montem qui uocatur Signum Salomon et inde per cimalias de Aluares ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps per cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et  cimalias de Nadaui ac deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar et inde unde prius incoauimus».

 

«Tem os seguintes limites: pelo monte chamado do Sinal de Salomão e daí pelo cume de Alvares, em seguida pelos cumes de Sonieir, Amioso, Escalos, Salzedas e Ana de Avis; daí ao mosteiro de Algia, desce pela ribeira de Algia até à sua foz no rio Zêzere e daí até onde primeiro se começou».  


Assim a «herdade de Pedrógão» situava-se entre dois acidentes naturais de relevo:  a nascente o rio Zêzere e a poente esta referida cumeada (linha de cumes) Alvares – Escalos – Sarzedas – Ana de Avis.  Nenhuma parcela do concelho de Castanheira de Pera integrava a «herdade», apenas fazia «fronteira». Fronteira que, aliás, se veio a manter em 1914 aquando da criação do concelho de Castanheira de Pera e já antes em 1502 aquando da criação da Paróquia de São Domingos.  Deste modo a fronteira física Castanheira / Pedrógão na «herdade» (1135), na Igreja, (1502) e na administração (1914) foi sempre a mesma ao longo, na maior parte, da cumeada Trevim – Safra – Gestosa - Fontes – Feteira - Vermelho - Sarzedas – Aldeia Ana de Aviz.  Uma ossatura da serra da Lousã com a «herdade» toda situada a oriente desta linha.  Quanto a «Algia» significava nesse tempo «ribeira fria», não povoação. Do verbo latino algeo, algere /ter frio, ser frio.  E quanto ao «monasterium» tratar-se-ia, porventura, duma pequena edificação, situada algures num morro entre Aldeia Ana de Aviz e a foz da ribeira de Alge, com mira para o Zêzere. Entre nobres teria também função militar daí que com o avanço rápido da «reconquista» para sul a partir de 1147 (Santarém, Lisboa, Sintra, Palmela) terá sido desativado, sem que se conheça a localização.  Com tal avanço para sul também aos três nobres donatários terão sido atribuídas outras funções, desligados da missão Pedrógão e a «herdade» de regresso à coroa, sendo D. Sancho I que depois a doa a Pedro Afonso que dela concede três forais às populações de Arega (1201), Figueiró dos Vinhos (1204) e Pedrógão Grande (1206). Em síntese: a atual «fronteira» leste Castanheira de Pera / Pedrógão Grande provém da «herdade de Pedrógão» de 1135.

  


3| Foral de Pedrógão de 1206.  Neste documento os limites estão assim identificados:  

«In oriente foz de uniaes e inde per meega usque dum nascitur.  In occidente per capita de nadauis et inde per directum ad caput de bouzaa et inde per carril quomodouertir aquam ad almaegue de goteri. In aquilone per viam que ducitur ad sanctaren. In africo per ozezar».  

«No oriente a foz da ribeira de Unhais indo por Mega até à sua nascente. No ocidente pela cabeça (cume) de Aldeia de Ana de Aviz e daí direito à cabeça da Bouçã e daí pelo Carril assim como vertem as águas para Almegue de Guterres. No aguião (norte) pela via que conduz a Santarém.  A sul pelo Zêzere».    

Esta delimitação «in aquilone per viam que ducitur ad sanctaren» / «do norte pela via que conduziu a Santarém» parece algo abstrata, imprecisa. Porém, quando na chancelaria régia se outorgou o foral toda a nobreza estava ciente que se tratava da cumeada  Trevim - Amial - Ortiga - Carregal Cimeiro / Póvoa, Souto Fundeiro / Vilas de Pedro.... porque fora por aqui que, sob seu comando, transitaram forças militares de D. Afonso Henriques provindas da região de Viseu, com destino a Santarém, em 1147 (tomada da cidade) e/ou 1184 (cerco da cidade) via Chornudelos (Soure), Aldegas (Ourém), Albardos (Porto de Mós) - Pernes. Caminhos desenfiados, não vias romanas, dado o sigilo das operações. Chornudelos foi onde se terá dado em 1147 a junção à hoste real vinda de Coimbra. O verbo latino duco, ducis, ducere, duxi, ductum, de que «ducitur» é passiva, continha ao tempo forte carga militar visto que significava conduzir, comandar exércitos, legiões. Daqui provém dux, ducis/duque. Esta cumeada do foral de 1206 fixou a fronteira concelhia W Pedrógão Grande/ Miranda do Corvo, depois no liberalismo Pedrógão Grande / Figueiró dos Vinhos e desde 1914 Castanheira de Pera / Figueiró dos Vinhos. De notar que a freguesia de Campelo não integrou nem a «herdade de Pedrógão» de 1135, nem o foral de Figueiró dos Vinhos de 1204, porquanto esteve a foro de Miranda desde 1136 (foral de D. Afonso Henriques) até ao liberalismo e, já antes de 1136, integrava a Paróquia de S. Salvador de Miranda.  Em síntese:  a cumeada «in aquilone per uiam que ducitur ad sanctaren» constitui desde 1914 a fronteira W (oeste) do concelho de Castanheira de Pera. Património imaterial vindo de Pedrógão Grande.  

   

4. Vilas de Pedro. Quando um «senhor» nobre concedia um foral normalmente não ficava a morar dentro da área desse foral. Assim se terá passado com Pedro Afonso. A toponímia «Vilas de Pedro» e a existência do nicho «Almas do Couto» indicia que D. Sancho I quando lhe doou a «Herdade» lhe terá concedido também «carta de couto» a uma outra área da região, Vilas de Pedro, com «vilas» aqui no sentido de propriedades agrárias, situadas entre a paróquia de Campelo a foro de Miranda e o foral de Figueiró dos Vinhos. Uma terra «coutada» significava uma terra demarcada, privilegiada, imune a impostos régios. Na época romana «villa era um latifúndio pertencente a um senhor (dominus) destinada a exploração agrícola, florestal e pecuária, tendo ao centro a casa senhorial rodeada pelas instalações rurais (lagares, celeiros, tulhas, adegas, estábulos…) e por habitações do pessoal livre ou servil». (MC/hdp/65).  Claro que cada caso com sua dimensão, mas a estrutura base seria algo semelhante. Em Vilas de Pedro ainda hoje existem as «Almas do Couto» que, para além do possessivo, podem indicar um limite territorial da coutada.  «Senhor» dos três concelhos D. Pedro Afonso terá tido aqui a sua «casa senhorial».  

                                                                                                                                                      Francisco H. Neves 



(Texto in «O Ribeira de Pera» edição impressa de 31/5/2024)