segunda-feira, 22 de outubro de 2012


TREVIM
 
 
  • A dimensão panorâmica, militar e mitológica do Trevim
  • Topónimo Coentral (altar… contra-altar… Coentral)
  • Em que município se situa o «Altar do Trevim»?
  • Triângulo mítico
 
 
O concelho de Castanheira de Pera é de criação recente (1914), a paróquia/freguesia só vem desde 1502 e das aldeias anteriores não há monumentos. A própria toponímia aldeã é maioritariamente de origem botânica e de aplicação já portuguesa, com os seus étimos latinos a ficarem séculos lá atrás. Todavia, o TREVIM - no português antigo Trivim - constitui decerto o topónimo mais antigo, com cerca de 2000 anos e de maior densidade (panorâmica, militar e mitológica). 
 
Como salientam os filólogos: «A existência de um topónimo implica sempre a existência de quem o aplicou e de quem o conserve; e se este é de incontestável antiguidade, fica manifesta a sua alta importância como lídimo documento histórico…».
Ora é exactamente o caso do Trevim. Um «lídimo documento histórico».
Lídimo, genuíno e único em Portugal.     
 
Denomina-se Trevim - ou Altar do Trevim - o ponto mais alto (pico) da Serra da Lousã, com os seus 1.204 metros de altitude. Fica na proximidade relativa da Capelinha de Santo António da Neve e dos Poços da Neve dos «Neveiros» do Coentral (noutro pico). 
Consignam os autores que Trevim provém do étimo latino «trivium» (local onde dão três caminhos) ou «triffinium» (ponto de encontro de três caminhos ou territórios). 
Topónimo aplicado pelos Romanos aquando da romanização.
(Já segundo a lenda «Trevim» derivaria de «Triumviro», refugiado romano de tempo de Sertório que teria erguido o altar).  
 
No tocante à panorâmica desfruta-se do Trevim um horizonte visual deslumbrante. Já em 1762 o Padre João Baptista de Castro, no seu «Mapa de Portugal Antigo e Moderno», primeiro tomo, considerava: 
«ALTAR DE TREVIM. É uma serra que fica no termo da Lousã, demasiadamente áspera e empinada, de cuja eminencia se avistam muitas Vilas e Lugares, que causam aos olhos agradável perspectiva. Tem muita caça e cria porcos monteses e lobos, não sem prejuízo dos gados que por ali pastam». (Conferir pág. 83 ponto 13):
 http://books.google.pt/books?id=LQsIAAAAQAAJ&pg=PA83&lpg=PA83&dq=altar+do+trevim&source=bl&ots=OQsYkTC_LR&sig=bUn2WB01u2P2pRRcXE0JzMPk6qU&hl=pt-PT#v=onepage&q=altar%20do%20trevim&f=true
                                                     
E mais recentemente (1935/1958) a «Grande Enciclopédia» PB começando por noticiar em duas linhas a existência do «Altar do Trevim» (vol. 2/149), dedica-lhe lá mais à frente (vol. 32/743) esta entrada:
«TREVIM. O ponto culminante da serra da Lousã, na freg. de Coentral, conc. de Castanheira de Pera, também chamado Alto do Trevém ou Alto Trevém. Tem uma altitude de 1.204 m e é coroado por um marco geodésico. Dele se avista um vastíssimo panorama circular: para O o Buçaco, a Bairrada, a Serra da Boa Viagem e o mar; para o S o Espinhal, o maciço de Porto de Mós e o próprio Ribatejo e Alentejo, até Marvão; para E a Gardunha e, muito esfumados, os longes das serras da Gata e dos Credos; para N os Cântaros da Estela e Caramulo e a Gralheira. «É um dos grandes mirantes do centro de Portugal» (Guia de Portugal, III, pág. 392)». 
 
Soberbo!
Agora a condizer, este «grande mirante do centro de Portugal» devia dispor de uma construção, um miradouro, dotado inclusive de um telescópio ou de um monóculo para observação de tão fascinante horizonte. Sem querer dizer presença da peça o ano todo. Mas disponível aos visitantes nos dias das festas da serra (Santo António e Encontro), nas visitas escolares de estudo, nas excursões de universitários seniores e nas visitas oficiais. Porém, um tal miradouro não existe nem porventura será viável uma vez que o terreno do «Altar» se encontra ocupado com instalações militares, antenas de rádio e TV. Como se vê aqui https://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=TREVIM&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&bpcl=35466521&biw=1121&bih=486&wrapid=tlif135089990162710&um=1&ie=UTF-8&tbm=isch&source=og&sa=N&tab=wi&ei=yhiFUJKlOo-4hAeb8YCgCw
 
No tocante à vertente militar evidentemente que não houve nestas serranias qualquer batalha, recontro ou combate de relevo de que haja notícia. 
Porém, a Serra do Trevim constituiu certamente desde a mais remota antiguidade um ponto estratégico na observação de movimentos de gentes e tropas.
E se nestas serranias guerra não houve, houve certamente acções de guerrilha (patrulhamentos, emboscadas, golpes de mão, marchas), pelo menos desde a feroz resistência dos Lusitanos (Viriato, Sertório) à ocupação romana (146 aC até 72 aC).
Testemunho disso a antiga “estrada romana” (trilho) no viso da Serra da Lousã.
Os Montes Hermínios não compreendem apenas a serra da Estrela mas todo o maciço central, em que se inclui o sistema montanhoso Lousã – Açor – Estrela.
Mas as acções de guerrilha continuaram depois dos Romanos, no domínio de Suevos, Visigodos e Mouros. Não é por acaso que as condições para a fixação de povos nestas serranias (aldeias) só surgem quando a «reconquista cristã» vinda do norte e depois de passar a linha do Mondego (1064) ultrapassa linha do Tejo (1147).    
É que só nessa altura, livre do trânsito da destruição, de fossados, razias e presúrias, a serra reúne uma condição essencial para a fixação dos povos: a segurança (Séc. XII). 
            
No tocante à mitologia os Romanos durante os cerca de 600 anos que estiveram em Portugal (146 aC – 409 dC) viveram duas fases religiosas distintas. 
Uma primeira fase pagã (146 aC a 318 dC) em que os Romanos adoravam vários deuses (Apolo, Diana, Marte…) e em que, pelo menos até 72 aC (morte de Sertório), enfrentaram a firme resistência dos Lusitanos à ocupação. 
E terá sido nesta primeira fase da ocupação, politeísta, pagã e de guerrilha, que os Romanos terão instalado aqui o denominado «Altar do Trevim». «Altar» que não deve ser tomado em sentido adjectivo (mais alto), mas em sentido substantivo: uma mesa, uma plataforma de pedra para a prestação de culto à divindade. 
 
Porém, no ano 318 dC o Cristianismo, antes perseguido, é legitimado (Constantino). E no ano 391 dC torna-se religião oficial em todo o Império romano (Teodósio) e, portanto também aqui na Serra do Trevim, área agora já totalmente dominada. 
E terá sido nesta segunda fase da ocupação, monoteísta, cristã e de paz, que em outro lugar próximo do Trevim, se terá erguido um outro altar, agora de culto Cristão. Um contra-altar relativamente ao primeiro. E terá sido desta relação altar/contra-altar, que nasceu o topónimo Coentral.
A notícia foi «avançada» em 1853 pelo Prof. Dr. Henriques Seco, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em uma breve nota a fls. 73 do seu livro «Memória Histórico – Corográfica dos concelhos do Distrito de Coimbra». Noticia essa que agora devia ser retomada e desenvolvida. 
Mas «folheie» aqui esse livro e surpreenda-se:
Note-se que esta ideia de «contra» está de acordo com a designação dada ainda no séc. 18 à Companhia de Ordenanças da freguesia da «Castanheira e Contrais».
O Coentral pode ter sido assim o primeiro núcleo cristão da serra. 
 
E agora duas breves notas. 
A primeira é a questão de saber em que município se situa geograficamente o Trevim.
A resposta ter-se-á de encontrar no Direito Administrativo e legislação complementar mas, em princípio, situar-se-á na freguesia do Coentral, concelho de Castanheira de Pera. Agora o curioso é que, estando situado no concelho de Castanheira de Pera, são os municípios vizinhos e os seus cidadãos que mais enfatizam o Trevim, o seu espaço, a sua história, nos seus roteiros, percursos e sites e mais o visitam. Enquanto por aqui, girando tudo à volta das «Rocas» e dos «Neveiros», a sensação que fica quanto ao Trevim é a de algum olvidamento… (Porventura a ultrapassar). 
Realmente o TREVIM com o seu «Altar», com as suas vistas, a sua história militar e religiosa constitui seguramente um património cultural de todos os povos da serra, (de todos os «concelhos da serra»), uma espécie de «património regional da humanidade» que, como tal, deve ser estudado, considerado e preservado.  
 
A segunda nota seria a questão de saber qual a entidade (nacional ou local) que detém a administração do espaço (superfície) do Trevim. Isto porque havendo lá instalações militares, de radio, TV e antenas fixas, decerto que para tal foram celebrados contractos, protocolos e estipuladas contrapartidas, cujo teor e valor se desconhecem. Ora tal não constituirá certamente «segredo de altar» que dele se não possa saber no «adro» … (Ou estará tudo privatizado?) 
 
Em síntese: o conjunto «Trevim – Neveiros – Coentral» constitui um «triângulo mítico» de investigação científica fascinante, cujo estudo devia ser efectuado, catalogado e disponibilizado aos cidadãos, escolas e demais instituições. E se nestes quase 100 anos do Município isso não se concretizou é de aguardar que tal ocorra no próximo século municipal.
Sobre «A Serra do Trevim e sua História», em termos de região, interessante mesmo seria um estudo universitário envolvendo todos os «concelhos da serra» ou pelo menos os «concelhos do treffinium». 

FHN