quarta-feira, 3 de agosto de 2022

  

Castanheira de Pera ano da graça de 1958 

A viagem ao Brasil (capelão tripulante) do Padre Arménio Marques

A visita da Veneranda Imagem Peregrina de 

Nossa Senhora de Fátima

 



Nestes meses de março-junho-julho do ano da graça1 de 1958 as comunidades cristãs da região, nomeadamente do concelho de Castanheira de Pera, vivenciaram momentos de rara dinâmica e júbilo perante estes dois eventos ímpares na história concelhia. Disso se lembrarão ainda os seniores e quanto aos demais a imprensa regional da época fez ao tempo adequada cobertura.

1|Viagem. No começo do ano de 1958 foi proporcionado ao P. Arménio Marques uma viagem ao Brasil, na qualidade de capelão tripulante2 do paquete «Vera Cruz», país para onde embarcou em meados de fevereiro. Dia 18 segundo «A Regeneração». Iniciadas em 1956 decorriam então as obras de restauro e ampliação da Igreja Matriz de Castanheira de Pera, das quais o seu pároco fora grande impulsionador. O P. Arménio Marques gozava aqui de grande consideração e estima, personalidade e carácter que importava transmitir aos castanheirenses radicados no Brasil, sobretudo em São Paulo e Rio de Janeiro, na perspetiva de encontro aquando da escala do navio nos portos brasileiros. Disso bem se ocupou o editorial de «O Castanheirense», na sua edição 860 de 16 fevereiro. E com sucesso. Correspondentes no Brasil transmitiram a notícia de que o P. Arménio Marques fora bem recebido em São Paulo num banquete com cerca de 70 pessoas. Brinde, emoção abraços. No dia seguinte celebrou missa na Igreja de Nossa Senhora de Fátima e visitou o Hospital da Beneficência Portuguesa. Entretanto o «Vera Cruz»3 regressou a Portugal. E o P. Arménio Marques teve em Castanheira de Pera calorosa receção. O Presidente da Câmara desloca-se a Lisboa para o abraço da chegada. No limite do concelho (alto da Alagoa) autoridades locais. Na vila mole de gente e «Te Deum» de graças na Igreja Paroquial. Está tudo expresso na edição 864 de 16 março de «O Castanheirense». As obras na Igreja paroquial prosseguiram e vieram a ficar concluídas em 7 dezembro 1961.4 


2|Imagem Peregrina. Cumprida uma nobre missão, outra marcante aguardava o P. Arménio Marques, Reitor de Castanheira de Pera : a visita ao arciprestado da Veneranda Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, para a qual   vai ser muito solicitado nesta e noutras Paróquias. Segundo a imprensa da época, à medida que as datas se aproximavam intensificavam-se os preparativos.  Envolvimento dinâmico e coordenado do clero, autarquias, associações, comissões, confrarias, irmandades, escolas, mesteirais, famílias.  Ornamentações e iluminações, igrejas, adros, praças, vias, casas privadas. Flores, arcos, coroas, cordões, dísticos. Ensaios cânticos, hinos, itinerários. No arciprestado de Figueiró dos Vinhos o calendário das visitas foi este:  

 

·        25/5 a 1 de junho = Arega

·        1 a 8 de junho = Campelo

·        8 a 15 de junho = Figueiró (vila)

·        15 a 22 de junho = Graça

·        22 a 29 de junho = Vila Facaia

·        29/6 a 6 de julho = Pedrógão (vila)

·        6 a 13 de julho = Coentral

·        13 a 20 de julho = Castanheira (vila)

 

 Em cada Paróquia a Imagem Peregrina permanecia sempre uma semana (domingo a domingo).  O formato base era igual para todas.  Durante a semana celebrações, pregações, palestras. À quinta-feira procissão das velas. Ao sábado administração do crisma. No último domingo missa campal e procissão do Adeus.  Havia sempre pregadores de fora. E para transporte do andor da Veneranda Imagem Peregrina nas procissões constituíam-se turnos dentre as pessoas gradas da terra. O Bispo Auxiliar de Coimbra D. Manuel de Jesus Pereira deslocava-se sempre duas vezes a cada Paróquia. No primeiro domingo para presidir à entrega solene da Imagem e proferir na igreja local a primeira alocução. No sábado e domingo seguintes para administração do Crisma, presidir à missa campal, à procissão do Adeus e à cerimónia de entrega à paróquia seguinte. A transição entre paróquias operava-se nos limites territoriais de cada, respeitando regras de competência.  No caso, porém, das freguesias sedes de concelho (Figueiró (vila), Pedrógão (vila) e Castanheira (vila), a missa campal de domingo era celebrada pelo Senhor Arcebispo Bispo Conde D. Ernesto Sena de Oliveira (Bispo diocesano), que para tal se deslocava a estas paróquias e para transmitir na homilia a sua mensagem apostólica. Momentos antes era recebido nos limites do concelho por todo o clero e autoridades locais, seguindo-se sessão solene de boas-vindas nos Paços do Concelho. À noite homenagem num jantar muito comparticipado.  Está tudo na imprensa regional da época (1958).  

3| Imprensa regional. Os jornais «A Regeneração», «O Norte do Distrito» e «Vida Paroquial», todos de Figueiró dos Vinhos e «O Castanheirense» de Castanheira de Pera «saíam» ao tempo. Feita a revista vamos conexionar as semanas de cada paróquia às edições em que as respetivas notícias foram publicadas. (Data número).     

«A Regeneração». Edição 15 março (943):  semana da Aguda.5 |Edição 15 maio (947): preparativos em Campelo. |Edição 15 junho (949): semana de Figueiró (vila) e semana da Arega.6 |Edição 1 julho (950): semana de Figueiró (cont.) e semana da Graça. |Edição 15 julho (951): semana de Campelo e semana de Vila Facaia. |Edição 1 agosto (952): semanas do Coentral e Castanheira de Pera.

«O Norte do Distrito». Edição 10 fevereiro (123): calendário paróquias do concelho. |Edição 10 março (125):  preparativos na Arega. |Edição 25 maio (130): preparativos em Figueiró (vila) e em Vila Facaia. |Edição 25 junho (132):  semana de Figueiró dos Vinhos (vila). |Edição 10 julho (133): semana da Graça7 e semana de Vila Facaia. |Edição 25 julho (134): semana de Pedrógão Grande.

«Vida Paroquial».  Edição julho/agosto (Ano VII): circunstanciado relatório sobre a semana de S. João Baptista de Figueiró dos Vinhos (vila) da autoria do P. José da Costa Saraiva (arcipreste). Na essência comum a todas as paróquias.   

«O Castanheirense». Edição 2 março (862).  1ª página: «Castanheira de Pera vai ter a visita da Virgem Peregrina». |Edição 10 julho (878/881). 1ª página: «Nossa Senhora de Fátima em Castanheira de Pera» - erudito texto histórico religioso sobre o culto de Nossa Senhora em Portugal, com assinatura do P. Arménio Marques.  E na 2ª página - «Castanheira de Pera aos pés da Virgem» - o mesmo culto em Castanheira de Pera nas diferentes invocações.  Ainda em 2ª página «caixa» com o programa geral da visita de Nossa Senhora ao concelho de Castanheira de Pera, vinda de Pedrógão Grande, via Vermelho. |Edição 20 julho (882). 1ª página: «Nossa Senhora de Fátima em Castanheira de Pera» - expressivo texto retratando a entrada da Imagem Peregrina na vila de Castanheira de Pera: «A vila um soberbo altar», «cenário de magia», «deslumbramento dos sentidos», «cânticos de mil gargantas», «êxtase de alegria», «momentos de suprema unção e elevação». |Edição 27 julho (883). 1ª Página: «Uma apoteose de plena devoção. Despedida da Imagem Peregrina. A presença do Reverendíssimo Senhor Arcebispo Bispo Conde em Castanheira de Pera». E desenvolvendo: O presidente da Câmara Dr. Ernesto Marreca David e demais autoridades concelhias nos limites do concelho, aguardando o Senhor Arcebispo-Bispo Conde. Sessão solene de boas vindas na Câmara Municipal. Discurso do Sr. Presidente da Câmara (transcrito em página seguinte). E na 5ª página a missa campal na Praça Visconde de Castanheira de Pera celebrada pelo Senhor Bispo Conde, coadjuvado pelo Senhor Bispo Auxiliar e «vários prelados».  A homilia. E a final da missa a consagração do concelho de Castanheira de Pera a Nossa Senhora pelo Dr. Ernesto Marreca David, «ajoelhado no altar», numa praça que «foi pequena para conter a grande multidão».  Seguiu-se a «procissão da despedida», com a Imagem Peregrina passando entre «alas compactas de povo», agora a caminho de Alvares (Góis).  Cânticos, lenços brancos, «lágrimas em muitos olhos». «Bastantes foram os que a acompanharam até aos limites do concelho». À noite no salão da Casa da Criança comparticipado banquete de homenagem ao Senhor Bispo Conde. Antes, na Igreja Paroquial, distribuído um bodo a pessoas carenciadas.   Obs. Com as cerimónias de Castanheira de Pera dá-se o encerramento da Peregrinação ao Arciprestado de Figueiró dos Vinhos, no âmbito da Diocese de Coimbra.  

|Edição 3 agosto (884). Em 2ª página: «Palavras proferidas pelo Dr. Ernesto Marreca David no banquete de Homenagem ao Senhor Arcebispo Bispo Conde de Coimbra».Antes, em 1ª página: «Nunca é demais um testemunho de gratidão» - texto do P. Arménio Marques, que escreve a concluir: «A todos, sem excepção, desde o Coentral ao alto do Vermelho e indo mesmo às Sarzedas do Vasco, o Pároco quere deixar aqui o testemunho sincero de muita gratidão. Que as bênçãos da Senhora e Mãe, sejam abundantes».  

|Edição 10 agosto (885). Em 3ª página: «A Virgem Peregrina no Coentral Grande». Reportagem da semana do Coentral e seus preparativos (ornamentações). A pregação diária. A Procissão das velas. A Missa celebrada pelo Senhor Bispo Auxiliar D. Manuel de Jesus Pereira.  A comunhão solene das crianças. O Crisma. O almoço, os brindes e a memória de D. Manuel Agostinho Barreto, Bispo do Funchal, filho desta freguesia. A procissão do Adeus até à Cova das Malhadas. E aqui este ponto tocante: «É então o momento culminante da visita de Nossa Senhora de Fátima para o povo da Freguesia do Coentral. Voltada a Imagem pela última vez para a Freguesia tem lugar a Despedida. De lágrimas nos olhos o povo ajoelha, reza e suplica. Pedem a proteção para si e para os seus e a bênção para o Coentral e todos os seus filhos, presentes e ausentes». Comoção. Segue-se a última alocução do Senhor Bispo Auxiliar e a Veneranda Imagem Peregrina é entregue à Paróquia de Castanheira de Pera.  E a reportagem prossegue frisando «a união, a força de vontade e a fé da gente do Coentral». A final a assinatura é de Alves Barata.

 

 4|Hemeroteca digital.   Os jornais de Figueiró dos Vinhos estão todos on line.  Basta pesquisar «Biblioteca Municipal de Figueiró dos Vinhos – Hemeroteca digital», para as capas de dezenas de títulos da «imprensa regional» ficarem à vista.  É abrir e seguir para o ano de 1958. Quanto aos jornais de Castanheira de Pera, nomeadamente, «O Ribeira de Pera» (1914-…), «O Castanheirense» (1937-2010), «O Facho» de Luz» (1961-1964), «Jornal de Castanheira de Pera» (1982-1985), disponíveis em papel na BNP, aguardam ainda por esse procedimento local.   (Sendo que a coleção do «Facho» de Luz já está disponível em PDF na página eletrónica deste jornal, edição nº 145 de 16/5/2015, a final da «crónica da fraga». E do mesmo modo se prevê estas páginas de «O Castanheirense» 1958 oportunamente on line).  

                                                                                                         Francisco H. Neves 


Notas de fim: 

1.      «Ano da graça» significa ano da era cristã.  

2.      No ano seguinte (1959) também o P. Aurélio de Campos, ainda Pároco de Pomares, fez uma viagem à América Central, a bordo do paquete «Santa Maria», na qualidade de capelão tripulante. Crónica da viagem no seu recente livro «TRAÇOS DE UMA VIDA, (Memórias e reflexões pessoais)», (Coimbra, 2018), páginas 135/146. (Dep. legal 449378/18).

3.      Os paquetes «Vera Cruz» (1950) e «Santa Maria» (1953) foram navios «gémeos», construídos na Bélgica, sob encomenda do Governo Português para a CCN, carreira das Américas. A Wikipédia conta a história de cada um.

4.      As obras de restauro e ampliação da Igreja Matriz iniciaram-se a 11/10/1956, presbiterado do P. Arménio Marques (1951/1960), e concluíram-se a 7/12/1961, presbiterado do P. Aurélio de Campos (1960/1978). O P. Aurélio de Campos participa na obra desde a sua tomada de posse até à vistoria final, como descreve no citado livro «TRAÇOS DE UMA VIDA», páginas 107/108.

5.      Embora situada no concelho Figueiró dos Vinhos, a freguesia da Aguda estava integrada no Arciprestado de Chão de Couce.

6.      A edição 15 junho (949) de «A Regeneração» está disponível em papel na BNP.

7.      O jornal «A Voz da Graça» só iniciou publicação em 1961.

8.      A visita da Imagem Peregrina às nossas Paróquias integra-se na visita global a todas as Paróquias da Diocese de Coimbra (1954/1960), magistralmente programada e orientada pelo Senhor Bispo Conde, como documenta o P. Aurélio de Campos, Cónego Monsenhor, na sua monumental obra «SEMINÁRIO DE COIMBRA - Subsídios para a sua história» (Coimbra 2014), páginas 292/294. (Dep. Legal 381766/14). 

9.      A partir de 1472 todos os Bispos de Coimbra usavam o título de Conde de Arganil. D. Ernesto Sena de Oliveira foi o 25º Conde de Arganil. O título caiu em desuso a partir do Concilio Vaticano II, como explica o P. Aurélio de Campos na sua citada obra «SEMINÁRIO DE COIMBRA», páginas 102 e 277. 



(Texto in O RIBEIRA DE PERA edição impressa de 30 junho 2022)

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O CASTANHEIRENSE

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