quinta-feira, 19 de março de 2015





POVOAMENTO. O FONTÃO VEIO DA ORTIGA (I)

Na sequência do terramoto de 1755 o padre-cura da Castanheira elaborou em 1758 circunstanciado relatório onde, além do mais, menciona os 22 lugares da freguesia, entre eles o Fontão e a Ortiga, ambos citados duas vezes, sendo a segunda vez por serem lugares serranos. (Cf. Monografia p. 114/115).
É claro que a Ortiga do séc. 18 não tinha o âmbito geográfico em que é tida hoje, a ponto de chegar quase às abas do Vale das Figueiras. A Ortiga primitiva situava-se lá em cima, enquistada na serra, um bocado abaixo do Parque Eólico, um pouco abaixo da mina das Fontanheiras, em fazenda algo chã algo inclinada, área hoje pertencente em parte, a herdeiros de António Henriques Tomaz.
Até aos anos cinquenta do século passado ainda ali eram visíveis ruinas das moradas, botaréus, castanheiros, pequenos pomares, pastagens, trilhos, nascentes de água, regos. Hoje restam as ruinas de algumas paredes e mato. O demais ficou debaixo dos eucaliptos.
Mas passemos ao tópico. Foi há mais de 50 anos que, numa estival cavaqueira da juventude, pela primeira vez ouvimos um amigo revelar com ênfase: «E o Fontão veio da Ortiga!». O que logo um circunstante mais velho ratifica: «É verdade, o Fontão veio da Ortiga!»
E hoje, volvido mais de meio século, indagando, constata-se ainda haver gente que se recorda da frase, mas nem sempre conhecendo o seu conteúdo. 
Ora «o Fontão veio da Ortiga», segundo a tradição oral, significa exactamente isso: que os primeiros moradores do Fontão, os seus fundadores como lugar, desceram da Ortiga. E que assim a Ortiga, como povoado, é anterior ao Fontão.
E daí o ter ficado a constar nas cartas «serra da Ortiga» e não «serra do Fontão». Melhor dito «cume da Ortiga», como assinala a carta militar nº 264.
E pela mesma razão, mais recentemente ainda, a denominação de «Parque Eólico da Ortiga», (parque bem visível na serra, a poente da vila).
Mas, para além da tradição e do cume, o sentido da frase pode ainda iluminar-se com a resposta a este quesito: se o Fontão veio da Ortiga, então donde veio a Ortiga?
Vamos passar por lá.
***
Na Grande Enciclopédia PB (vol.39/209) encontra-se publicado um interessante estudo sobre a toponímia da vizinha freguesia de Campelo, referindo-se vinte e oiro (28) lugares a saber: «Aldeia Fundeira, Alge, Campelinho, Campelo, Casal, Casas Velhas, Castelo, Coito, Eiras, Fontão Cimeiro, Fontão Fundeiro, Fonte da Corte, Moinho Novo, Molhas, Pé de Janeiro, Peralcovo, Ponte Fundeira, Porto Oliveira, Póvoa, Ribeira Velha, Searas, Serradas, Singral Cimeiro, Torgal, Trespostos, Vale da Lameira, Vale Vicente e Vilas de Pedro». 
E, após breves considerandos acerca de alguns destes apelativos o estudo conclui:
«Esta toponímia, medieva, mas nitidamente já nacional, só pode ter uma lição: a de um repovoamento efectuado a partir de meados do séc. XII ou até já desde 1136 a foro de Miranda». 
Ora, como é notório, a «serra da Ortiga» constitui-se “paredes-meias” com a região de Campelo. Lugares na encosta de lá, lugares na encosta de cá.
Pois bem, o povoado inicial da Ortiga tem de se enquadrar no povoamento global de toda esta região serrana. A Ortiga terá sido como que o 29º lugar do Alge/Campelo que, escalando a serra, trepou cá para este lado, aqui se fixando. 
Vizinhos de cá, vizinhos de lá. Intercâmbio recíproco. 
Depois a Ortiga inicial terá crescido até que, em época imprecisa, mas que se situa bem antes de 1502, alguns dos seus moradores desceram para criar o Fontão. 
O topónimo Fontão poderá até ter constituído, ao tempo, como que uma “geminação” com o Fontão Fundeiro (ou Cimeiro) daquela região de Campelo. 
O solo do Fontão era convidativo. Chão amplo e fértil. Água abundante. Uma boa várzea, (várzea aliás, que ainda hoje a carta militar assinala).
Aqui se criou e desenvolveu uma laboriosa povoação que, em 1502 já intervém no processo da criação da Paróquia de São Domingos da Castanheira, através de um seu morador, (Vasco Esteves). Os dois lugares - Fontão e Ortiga – viveram então em paralelo, como regista o padre-cura em 1758.
O Fontão aí está nestes nossos dias. Quanto à Ortiga primitiva acabou como povoado há cerca de um século. 
Quanto ao intercâmbio entre as populações das duas vertentes da serra sempre se manteve. Ainda se recorda sacrificada gente «de trás da serra» (Ribeira Velha, Vilas de Pedro, etc.) atravessar os trilhos serranos, carregando sacos às costas ou cestas à cabeça de produtos agrícolas para vender no mercado da Castanheira.
Do alfaiate da Castanheira trepar a serra a pé para tirar a medida e fazer os fatos.
Dos músicos da Filarmónica Castanheirense, fardados, com os seus instrumentos às costas, serra fora a pé (ir e vir), para actuar nas Festas da Ribeira Velha.
Hoje a estrada do Espinhal facilita o intercâmbio. O problema é que agora escasseia gente para o exercer!  
Resumindo:
O Fontão veio da Ortiga e a Ortiga veio da região do Alge/Campelo. Mas aqui surge uma terceira questão: afinal donde é que vieram os povos para o “repovoamento” do Alge/Campelo no séc. XII?  
Vamos tentar passar por lá em próximo número. Venha connosco. Pode ser que nos
encontremos. Ou nos cruzemos!
Francisco H. Neves
PS. Texto publicado também no jornal RIBEIRA DE PERA do dia 16 de Março de 2015 in