sábado, 24 de dezembro de 2016


Crónica da Fraga

CASTANHEIRA DE PERA NÃO TEVE FORAL

Foi «termo» do foral de Pedrógão



Noção. Historiadores e Juristas dão-nos definições muito cultas, muito elaboradas do conceito de «foral», suas tipologias, modelos, qualificações ao longo de centúrias. Mas todos vão referindo que se trata de um documento escrito onde se regulamentavam os direitos e deveres dos membros duma colectividade (concelho), entre si e outras entidades e, em pormenor, as prestações a satisfazer aos senhorios. Então, numa palavra, diríamos que um foral é um Regulamento. Adjectivado dir-se-ia Regulamento do Município Medieval.  



Origem. Os «forais» são um produto da «reconquista». Mas foram semeados no tempo dos Mouros. Recuperemos: Romanos (clero), Visigodos (nobreza), Mouros (povo), Visigodos (nobreza) outra vez e agora em maior número. Á medida que a «reconquista» militar avança no terreno, na retaguarda o novo condado/reino (D. Henrique, D. Tereza, D. Afonso Henriques, D. Sancho I) vai-se desdobrando a outorgar doações fundiárias a nobres, ordens militares e clero para compensar fidelidades e serviços prestados. Desta feita a nobreza, as ordens militares e o clero tornam-se proprietários eIt's raining goals! West Ham put a cat amongst the pigeons with a goal that silences Old Trafford. Dimitri Payet curls in a free-kick that is headed in by Diafra Sakho. Zlatan Ibrahimovic was his marker but the Swede went AWOL. It's raining goals! West Ham put a cat amongst the pigeons with a goal that silences Old Trafford. Dimitri Payet curls in a free-kick that is headed in by Diafra Sakho. Zlatan Ibrahimovic was his marker but the Swede went AWOL. «dons» de todo o reino. Sucede porém, que vai dar-se um embate violento entre a nobreza que chega e o povo que está. A nobreza por não concordar com o «estatuto dos vizinhos» e querer ocupar as terras com tudo o que lá está dentro, a sua “criação” (servos). E o povo que se opõe firmemente, por não querer voltar à primitiva servidão.



Cartas. É face a este embate, que os reis (a título de equilíbrio) e os próprios nobres, ordens e clero (a título de interesse) passam a outorgar sucessivas cartas de foral (municípios), cartas de aforamento (enfiteuse) e cartas de povoação. Cartas que, no fundo, vão todas dar ao mesmo: sustentar a nobreza com as rendas das terras, pagas em géneros: trigo, centeio, milho, hortaliças, cebolas, alhos, frutas (primícias), vinho, azeite, mel, castanhas, ovos, gado. (Normalmente entre 1/3 e 1/10 dos produtos da terra). A que, além do mais, acrescia a «dízima» para o Clero. Ao camponês pouco resta para meter na arca do seu casebre. Por detrás da “oficial” necessidade de «povoamento» de que nos falam os manuais, o que realmente estava em causa era a necessidade premente de pôr o povo a arrotear e frutificar terras para encher tulhas e celeiros da nobreza que chegara. O nobre é um «senhor» que não trabalha terra. Tem-se por função pública. Vive do fossado, dos rendimentos e das «contias».



Liberdades. Ainda assim os forais (concelhios) constituíram uma boa aberta num céu muito nublado. Se para os «senhorios» (nobreza, ordens e clero) o essencial era «a fixação precisa dos tributos e prestações» a pagar, já para o povo o essencial eram as «liberdades das pessoas e bens». Na área do foral (vila e alfoz) nenhum servo podia ser perseguido por antigo «senhor». O próprio escravo mouro podia vir a resgatar aqui a sua liberdade. Forais houve já com normas de protecção da mulher. As condutas ilícitas e as coimas a pagar (em soldos) eram as do foral. Desde D. Dinis que os homiziados (delinquentes) podiam aqui vir a fixar-se sem risco. Aliás, concelhos da fronteira houve que pediram e o rei concedeu cartas de couto para homiziados. Aos povoadores eram concedidos terrenos (lotes, casais, sesmos) a título vitalício, hereditário e tinham acesso aos logradouros comuns (maninhos). E para tratar de assuntos comuns (pastos, águas, caminhos, eleição magistrados) os vizinhos reuniam-se livremente em assembleia, em concilium (e daí o termo concelho de hoje).

Quanto às cartas de aforamento (enfiteuse) tinham natureza civil. Tratava-se de contractos agrários de arrendamento vitalício, mediante o pagamento anual de um pequeno foro (renda) fixado no início do contrato e que assim se mantinha. 



História. O «foral» de Guimarães, outorgado pelo Conde D. Henrique e D. Tereza, é tido como o primeiro foral português (1096). Embora haja notícia de que o sistema da municipalização se terá iniciado antes, com Fernando Magno e seus forais a Paredes, Pesqueira, Ansiães, Linhares, Penela (1055-1065). Desde D. Henrique até D. Dinis foram conferidos centenas de forais constitutivos de municípios. Mas «a partir de D. Afonso IV deixaram praticamente de ser concedidos». Nas centúrias seguintes ocorrem abusos da nobreza e queixas dos povos em cortes, por má interpretação, emendas e rasuras nos documentos. Daí a reforma manuelina durante 25 anos, (1497/1522). Agora quem alega direitos, tem de os provar. Documentos originais à Corte. Inquirições. Casos litigiosos aos Supremos Tribunais (Casas da Suplicação e do Cível). Objectivo dos «Forais manuelinos»: reconhecer o rei como «o mais alto e superior senhorio» e, saber das «rendas e direitos que se devem arrecadar em cada lugar». Perto de 600 «Forais Manuelinos» outorgados (forais novos). Entretanto, as suas normas vão transitando para as leis ordinárias e os forais acabam extintos no liberalismo por decreto de Mouzinho da Silveira (1832).  



Foral de Pedrógão. Na idade média os forais (rurais) eram concedidos a um núcleo de moradores (villa, vicus, locus), muralhado ou não. Aí ficava sediado o novo concelho e a sua administração. O espaço circundante, até aos limites da carta, designava-se termo. Onde podia haver povoações. Eram as povoações do termo. «Termo» que não era fixo, pois não raro os monarcas, a pedido dos povos ou a seu alvedrio, ampliavam ou diminuíam os «termos» dos municípios. 

Aquando da outorga do foral de Pedrógão por D. Pedro Afonso (1206), certamente já existiriam, entre outros, os núcleos do Coentral, Castanheira, Vila Facaia, Graça e Pedrógão. Mas só um dos núcleos vai ter foral. Os demais ficam no termo. A carta delimitava assim o território: 

«In oriente foz de uniaes et inde per meega usque dum nascitur. In occidente per capita de nadavis et inde per directum ad capud de bouzaa et inde per carril quomodo uertir aquam ad almaegue de goteri. In aquilone per uiam que ducitur ad sanctarem. In africo per ozezar».  

E, quanto a destinatário, é outorgada aos moradores in villa que dicitur petrogonum.

Isto é, aos moradores da vila denominada Pedrógão. E assim passou Pedrógão a ter o seu foral. As demais povoações ficaram no termo. Embora a jurisdição do foral contemple todo o território. Mas, o que identifica um foral, uma freguesia, um concelho é a sua sede. E a sede do foral ficou em Pedrógão. Que tem o documento. Uma coisa é «ter foral» outra coisa é «ser tido por foral». E a Castanheira não teve. Foi tida pelo foral de Pedrógão. Esteve a foro de Pedrógão. Não há dois forais.

Aliás, está hoje aí no terreno (2016) um caso de flagrante semelhança. E que é este: para os concelhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande existe um tribunal de comarca, cuja competência territorial abrange globalmente os três municípios. Mas daí, ninguém dirá que Castanheira de Pera «tem tribunal» ou que Castanheira de Pera «é comarca». Castanheira de Pera pertence ao tribunal e à comarca de Figueiró dos Vinhos. É da sede da comarca que a jurisdição e competência irradiam para o território dos três municípios.  



Cartas de aforamento. Castanheira de Pera não teve foral. Mas é provável que, nas primeiras centúrias da nacionalidade, tenha havido por aqui cartas de aforamento (enfiteuse). Existem topónimos concelhios (Camelo, Vale do Mendo, Dordio, Soeiro, Sarzedas do Vasco) cujo estudo poderá vir a revelar quem foram os seus primeiros povoadores, senhorios e respectiva época. Na vizinha freguesia de Alvares existe um lugar chamado Estevianas. Aparentemente poderia pensar-se num apelativo relacionado com estevas (plantas, flores). Negativo. Estevianas eram as terras de Estêvão Anes, seu povoador medieval. 



                                                                                                         Francisco H Neves


_____________________________________________________________

(Texto publicado antes no jornal O RIBEIRA DE PERA do dia 17 de Dezembro de 2016.
in:     O RIBEIRA DE PERA

quarta-feira, 26 de outubro de 2016



Crónica da Fraga





CASTANHEIRA DE PERA NÃO TEVE FORAL NEM
ESTÁ NA DOAÇÃO DA «HERDADE DE PEDRÓGÃO» DE 1135





Na pesquisa «Google» sobre Castanheira de Pera encontram-se alguns sítios, um deles de referência, contendo esta informação:  

«As origens da vila remontam a 1135 e em 1206 D. Pedro Afonso, filho bastardo de D. Afonso Henriques, concedeu-lhe o foral, que foi renovado por D. Sancho I em 1217».   

Com o devido respeito, trata-se de uma informação manifestamente deslocada.Da apropriação duma factualidade histórica pertencente à vizinha vila de Pedrógão Grande, que não à vila de Castanheira de Pera.
Para situar o caso, recuperemos breves ideias dos primórdios da nacionalidade. 

Romanos. Seis séculos. Deles herdámos, além do mais, a língua (latim), as leis (direito romano), o cristianismo e uma classe social erudita e culta O CLERO.

Visigodos. Germânicos. Romanizados. Três séculos. Deles herdámos a NOBREZA. Classe militar. E proprietária das terras, mas que não as trabalha. São os servos que o fazem para si. Tem-se por seus «senhores». 

Mouros. Chegam em 711 via Gibraltar. Islâmicos. Vencem a nobreza, que deserta toda. Os servos continuam a trabalhar a terra, mas agora como donos do produto do seu trabalho. E para tratar de assuntos comuns (vizinhos) reúnem-se em assembleia (conventus publicus vicinorum). E assim emerge o POVO como classe social.

Visigodos outra vez.
A partir de 722 seguem-se séculos ditos de «reconquista cristã». Que, a final de contas foi a reacção dos Visigodos e seus descendentes, entretanto, reorganizados nas Astúrias (Pelágio), reforçados com outros visigodos e godos vindos da Europa, entre eles os nossos “conhecidos” D. Henrique e D. Raimundo, a que se vão juntando ainda as ordens ditas militares, religiosas e cruzados.
Começam por fustigar e afastar os Mouros das Astúrias.
Segue-se a Galiza, Leão, Douro…
A luta agora era sem quartel. Castelos e vilas incendiados. Devastações. Fio de espada. Já em território português a peleja durou cinco séculos, com avanços e recuos mútuos. Linha do Douro, Linha do Mondego, Linha do Tejo, Algarve, (1249).
Sendo que, à medida que os visigodos avançam: «Todas as terras ermas ou tomadas aos Muçulmanos por conquista eram consideradas sem dono (res nullius) e portanto susceptíveis de ocupação ou presúria».
Mas é claro ocupação e presúria por Visigodos. Elite militar em que todos se têm por nobres: reis, príncipes, condes, fidalgos, infanções.
Classe que quer reaver as terras, com tudo o que está lá dentro. Reparti-las entre si. Acabar com o «estatuto dos vizinhos». E remeter os libertinos (descendentes dos antigos servos) à primitiva servidão. Em suma restabelecer a NOBREZA.
Coimbra é tomada a retomada sucessivamente: 713 (Mouros), 868 (Visigodos), 987 (Mouros) e 1064 Visigodos em definitivo.
D. Sisnando, Conde D. Henrique, D. Tereza, D. Afonso Henriques…
E assim se chega a um período de tempo entre 1128 e 1138, com a fronteira militar relativamente estabilizada na linha do Mondego, em que D. Afonso Henriques, ainda príncipe, «recompensa os seus mais dilectos cavaleiros, fazendo doações de casais e herdades…».
E é neste contexto que em 1135 surge a doação da «herdade de Pedrógão» aos nobres Uzberto, Mónio Martins e Fernando Martins. 

Herdade de Pedrógão.
Sobre tal doação existem trabalhos de conceituados autores publicados, além do mais, nestes sítios: 
a) «Monografia do concelho de Castanheira de Pera» (Livro);
b) «Mosteiros Cistercienses. Separata». (Infra site 1); 
c) «Revista Portuguesa Arqueologia» (Infra site 2).
Nesse tempo (1135) ainda se falava e escrevia latim. (Só em 1296 (D. Dinis) é que «a chancelaria régia adopta a língua vulgar»).
No texto latino a «herdade de Pedrógão» está assim delimitada:

 «Habet enim terminos per montem qui vocatur Signum Salomon et inde per cimalias de Alvares ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps per cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et per cimalias de Nadavi ac deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar et inde unde primus incoavit».

Isto é: «Tem os seguintes limites: pelo monte que hoje chamam Signo Saimão, e pela cumeada de Alvares, e pelas de Sonieir, de Amioso, de Escalos, de Salzedas e de Ana de Avis; daí vai ao mosteiro de Alge, desce pela ribeira do mesmo nome até à confluência com o rio Zêzere e vai por este até ao ponto onde começou».
Sendo que: «Amioso, Escalos, Salzedas (ou Sarzedas) e Ana de Avis são topónimos que se mantêm». (Infra site 2).
Conhecida assim a delimitação da herdade no papel, vejamos agora como ela ficaria no terreno (1135), depois do trabalho do engenheiro agrimensor. Em execução do declarado no documento, o agrimensor fixaria uma ponta da sua cadeia no rio Zêzere, próximo de Pedrógão Pequeno e, partindo daí, desenrolaria e fixaria o cabo, sucessivamente, na cumeada de Alvares, na cumeada de Sonieir, na cumeada de Amioso, na cumeada de Escalos, na cumeada de Sarzedas, na cumeada de Aldeia de Ana de Avis, no mosteiro da ribeira de Alge, na foz da ribeira de Alge no rio Zêzere e, por fim, Zêzere acima, até ao ponto onde começou (Pedrógão Pequeno).
Com assim ficando definido, nos seus contornos, todo o perímetro da propriedade rústica denominada «herdade de Pedrógão».
Donde uma importante conclusão a extrair ser esta: nenhuma parcela da área do actual concelho de Castanheira de Pera está contida no perímetro da «herdade de Pedrógão». As terras da Ribeira de Pera ficaram de fora da doação. Apenas são confinantes. E certamente não foi por acaso, nem por falta de topónimos antigos (Trevim, Altar do Trevim, Selada de Pera, Ribeira de Pera). O caso afigura-se outro. É que estando em causa a defesa da linha do Zêzere - que com o Castelo de Leiria (1135) formaria uma linha avançada da defesa de Coimbra - não interessaria tanto povoar as terras da Ribeira de Pera. Pelo contrário, importaria até deslocar, daqui para lá, alguns casais que porventura por aqui houvesse.

A questão do Mosteiro.
Como se vê do texto latino, a «herdade de Pedrógão» confinava com um monasterium, cuja localização no terreno ainda hoje se discute. 
Mas consta que este tipo de mosteiros foi coisa trivial no séc. XII. Com o seu auge entre 1130 e 1150 – com as tomadas de Santarém e Lisboa (1147) de permeio. Construídos em locais isolados, no abrigo das montanhas ou no recosto dos montes. No meio de vegetação bravia. Nas franjas de lugares em vias de povoamento. Junto dum curso de água. Perto de estradas ou caminhos, permitindo as comunicações. Muitos consistiam em pequenas ermidas, com «mui poucos monges ou talvez um só». Houve mosteiros fundados e coutados por D. Afonso Henriques. Outros criados por nobres. A «reconquista cristã» foi um movimento militar e religioso, articulado e cooperante. «Nos locais mais sujeitos aos ataques inimigos até os frades não são dispensados de servir militarmente». (Cf. Grande Enciclopédia PB, vol. 17/968).
Sendo assim é de crer que o mosteiro do «Algia» se tratava duma pequena ermida, situada algures entre Aldeia de Ana de Avis e a foz do Alge, num morro sobranceiro em que, para além do ascetismo (ou antes dele), se avistava a linha do Zêzere/Foz do Alge, de modo a detectar-se qualquer movimento suspeito.
Já o que parece não fazer sentido seria o agrimensor desenrolar o cabo a partir de Ana de Avis até à região de Campelo, («Terras da Ribeira de Alji»), porque nesse tempo (1135), em que ainda se falava e escrevia latim, «Algia» significava «Ribeira Fria» (do verbo latino «algeo», ter frio), sendo nesse sentido que a ribeira era tida e conhecida. (Infra sites 3 e 4). Depois porque não seria certamente daí que se vigiava o Zêzere/Foz do Alge. E Campelo passou a foro de Miranda no ano seguinte (1136).

Foral de Alpreada.
Não muito longe daqui, passa-se algo semelhante com outro mosteiro que também hoje (2016) não existe, nem aliás vestígios dele. Trata-se do monasterium referido no «Foral de Alpreada de 1202». Sendo que, de estudos recentes, resultam três pontos comuns com o mosteiro da herdade de Pedrógão: também está na delimitação; também na fronteira sul e, também perto da foz de uma ribeira - a ribeira de Lardosa no rio Ocresa. (Infra site 5).
O que indicia a mesma dupla função: ascetismo e atalaia (vigia).

Reversão da herdade.
Conceituados autores enfatuam a dimensão da herdade de Pedrógão dizendo que que ela «… ia da serra da Lousã ao Zêzere….». Bem, dito isto assim é muito vago, visto que a serra da Lousã compreende montanhas pelo menos de cinco concelhos: Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Miranda do Corvo, Lousã e Góis. O agrimensor ficaria perplexo se assim tivesse de trabalhar. Mas o ênfase já se entende no sentido de que era uma área muito grande para assegurar a sua defesa, face as terríveis invasões almóadas (1170-1184), com ocupação e destruição da vila de Figueiró dos Vinhos (1180). É que a doação da herdade aos fidalgos fora feita com encargos, «…pro seruicio quod michi fecistis et facietis », isto é, «pelo serviço que me fizestes e fareis». Nestas circunstâncias, é provável que os fidalgos tenham restituído a herdade à Coroa. Seja como for, D. Sancho I doou-a depois a D. Pedro Afonso que, por sua vez, dela conferiu forais a Arega (1201), Figueiró dos Vinhos (1204) e Pedrógão Grande (1206).
E por fim uma curiosidade (arriscada): o donatário Mónio Martins terá algo a ver com Mónio Martins, alcaide de Pinhel? E o donatário Fernando Martins terá algo a ver com Fernando Martins, Bispo do Porto (1176/1185)? 

                                                                            ***

Em síntese:
1.     A vila de Castanheira de Pera não teve origem em 1135.
2.     A «herdade de Pedrógão» não abrangia as terras da Ribeira de Pera.
3.     O Mosteiro do «Algia» teria também função de atalaia (vigia).
4.     E, já agora: em 1217 quem reinava era D. Afonso II, (1185-1223).
5.     Quanto ao «não foral» da Castanheira, num próximo número.                                                                                                                                                                                             

2.  Revista
4.  BNP
5.  Alpreada 


 Francisco H. Neves


                                                                                                 

(Texto publicado antes no  O RIBEIRA DE PERA  onde se encontram ativos os links)





quinta-feira, 28 de abril de 2016




Crónica da Fraga

OS RIBEIROS DA NOSSA RIBEIRA
Também muito deram de comer e beber 


Ribeira.
É comum enfatizar a Ribeira de Pera. E com razão. Desde logo porque está na raiz do topónimo concelhio: «Castanheira (da Ribeira) de Pera». Depois porque já no processo da criação da Paróquia de São Domingos (1502), todos os outorgantes, dos diversos lugares, estão identificados como moradores na «Ribeira de Pera», o que significa ser esta a grande referência deste vale. Também no seculo passado (XX) as suas águas tornaram-se a primeira força motriz de uma indústria de lanifícios que aqui se instalara. E actualmente porque, em pleno coração da ribeira, a Praia das Rocas, constitui um empreendimento turístico de grande renome, atracção de milhares de pessoas.  

Fixação.
Mas, pese embora a dimensão da ribeira, complementarmente dir-se-á que também os ribeiros (seus afluentes e subafluentes) tiveram uma primordial influência na economia da região e na vida das populações. Desde logo ao nível do remoto povoamento. Repare-se como os lugares do Casal, Gestosa Cimeira, Gestosa Fundeira, Banda d’Além se fixaram ao longo do seu ribeiro (ribeiro da Gestosa). E como as suas terras de cultura se dispõem ao longo das suas margens. Como igualmente foi ao longo do seu ribeiro (ribeiro do Carregal) que se fixaram os povos do Carregal Cimeiro, Porto Carro, Carregal Fundeiro. Também as primeiras casas do Fontão se inseriram junto de uma forte nascente de água, ainda hoje ali corrente, integrando o ribeiro do Fontão. Do mesmo modo, das águas vindas do Cabril e das Juntas, se fixou o Amial ao longo do seu (ribeiro do Amial), em cujas margens se situa fértil solo arável. E, assim sucessivamente, outras povoações, nascentes e ribeiros.

Regadio.
A água potável sempre foi um elemento essencial à vida das pessoas e daí a sua constante procura pelos homens (nascentes, minas, poços, furos). Consumo doméstico, dar de beber aos animais, regadio, culturas do pão. Houve servidões de ir buscar água, de levar o gado a beber, de lavar e corar roupa, de presa, de aqueduto entre outras. O regadio teve repartida expressão entre nós. De nascentes, ribeiros e ribeira regava-se no Verão de dia e de noite. A pé e de sacho na mão. Courelas, nateiros, milheirais, “terras de pão”. Água de horas. Havia mapas de turnos de rega organizados dentre os proprietários vizinhos. Todos respeitavam. Embora aqui ou ali pudesse surgir alguma altercação… Excepcionalmente o caso chegava à Justiça. Todos cumpriam. 

Moinhos.
Feita a colheita do milho (apanhar, descamisar, malhar, erguer, secar), havia que torná-lo farinha para cozer o pão (broa). É então que outra energia se extrai dos ribeiros. A força da água para mover moinhos. Houve moinhos de água na ribeira. Mas também nos ribeiros. Pelo menos dois na Gestosa Cimeira e dois na Gestosa Fundeira. Um no Carregal Fundeiro e um no Dordio. Três no Fontão. Um no Amial (Juntas). Um no ribeiro Sapateiro. Outro no ribeiro das Botelhas. A propósito, recordamos ter visto na Ilha das Flores, junto à Igreja da Fajãzinha, um fio de água correndo para um pequeno telheiro, onde uma pequena mó rodava, rodava, moendo uns baguinhos de milho que iam caindo, caindo… Ninguém por perto. Era um pequeno moinho de água, um encanto! Isto para dizer que outros pequenos moinhos de água podem ter existido nos diversos lugares da freguesia de São Domingos, nas propriedades privadas, dos quais hoje ninguém se recorda, senão os seus sucessores. E, para rematar este parágrafo, uma outra referência hídrica: o ribeiro do Fontão fez mover o lagar de azeite do Dordio e as águas vindas das vertentes do Carregal Cimeiro fizeram trabalhar o lagar de azeite do Porto-Carro.

Custos.
Certamente que os da ribeira, com cerca de quinze pontes (do Cavalete aos Linhares), foram bem superiores. Mas é claro que os ribeiros também tiveram os seus custos. Basta anotar a quantidade de pontes, aquedutos, manilhas neles existentes por todo o lado. E se alguns ribeiros desaguam na ribeira de forma natural, já outros careceram de obras de adaptação. É o caso do ribeiro do Amial a que as «Rocas» implicaram uma adequada foz em «S». Enquanto o ribeiro do Conqueiro atravessa a vila quase sempre em túnel, desde a Eira Velha (Casa Côvado) até à ribeira, a jusante das «Rocas».

Museu.
Estes moinhos de água encontram-se hoje desactivados, senão mesmo em estado de ruinas. Deles não existe um inventário. Não há um único tornado peça de museu. Mas pelo menos ainda será possível restaurar a sua memória e das suas ruinas extrair algumas fotos. E haverá, porventura, casas em que ainda se guarde algum raro documento desses tempos dos turnos rega, da água em «correição». A disponibilidade e publicação deste material nas redes sociais, constituiria um «museu virtual» que, certamente, teria os seus interessados visitantes. Se a ideia germinar então este espaço valeu um tesouro!

Francisco H. Neves



Texto original em  O RIBEIRA DE PERA :