quinta-feira, 28 de abril de 2016




Crónica da Fraga

OS RIBEIROS DA NOSSA RIBEIRA
Também muito deram de comer e beber 


Ribeira.
É comum enfatizar a Ribeira de Pera. E com razão. Desde logo porque está na raiz do topónimo concelhio: «Castanheira (da Ribeira) de Pera». Depois porque já no processo da criação da Paróquia de São Domingos (1502), todos os outorgantes, dos diversos lugares, estão identificados como moradores na «Ribeira de Pera», o que significa ser esta a grande referência deste vale. Também no seculo passado (XX) as suas águas tornaram-se a primeira força motriz de uma indústria de lanifícios que aqui se instalara. E actualmente porque, em pleno coração da ribeira, a Praia das Rocas, constitui um empreendimento turístico de grande renome, atracção de milhares de pessoas.  

Fixação.
Mas, pese embora a dimensão da ribeira, complementarmente dir-se-á que também os ribeiros (seus afluentes e subafluentes) tiveram uma primordial influência na economia da região e na vida das populações. Desde logo ao nível do remoto povoamento. Repare-se como os lugares do Casal, Gestosa Cimeira, Gestosa Fundeira, Banda d’Além se fixaram ao longo do seu ribeiro (ribeiro da Gestosa). E como as suas terras de cultura se dispõem ao longo das suas margens. Como igualmente foi ao longo do seu ribeiro (ribeiro do Carregal) que se fixaram os povos do Carregal Cimeiro, Porto Carro, Carregal Fundeiro. Também as primeiras casas do Fontão se inseriram junto de uma forte nascente de água, ainda hoje ali corrente, integrando o ribeiro do Fontão. Do mesmo modo, das águas vindas do Cabril e das Juntas, se fixou o Amial ao longo do seu (ribeiro do Amial), em cujas margens se situa fértil solo arável. E, assim sucessivamente, outras povoações, nascentes e ribeiros.

Regadio.
A água potável sempre foi um elemento essencial à vida das pessoas e daí a sua constante procura pelos homens (nascentes, minas, poços, furos). Consumo doméstico, dar de beber aos animais, regadio, culturas do pão. Houve servidões de ir buscar água, de levar o gado a beber, de lavar e corar roupa, de presa, de aqueduto entre outras. O regadio teve repartida expressão entre nós. De nascentes, ribeiros e ribeira regava-se no Verão de dia e de noite. A pé e de sacho na mão. Courelas, nateiros, milheirais, “terras de pão”. Água de horas. Havia mapas de turnos de rega organizados dentre os proprietários vizinhos. Todos respeitavam. Embora aqui ou ali pudesse surgir alguma altercação… Excepcionalmente o caso chegava à Justiça. Todos cumpriam. 

Moinhos.
Feita a colheita do milho (apanhar, descamisar, malhar, erguer, secar), havia que torná-lo farinha para cozer o pão (broa). É então que outra energia se extrai dos ribeiros. A força da água para mover moinhos. Houve moinhos de água na ribeira. Mas também nos ribeiros. Pelo menos dois na Gestosa Cimeira e dois na Gestosa Fundeira. Um no Carregal Fundeiro e um no Dordio. Três no Fontão. Um no Amial (Juntas). Um no ribeiro Sapateiro. Outro no ribeiro das Botelhas. A propósito, recordamos ter visto na Ilha das Flores, junto à Igreja da Fajãzinha, um fio de água correndo para um pequeno telheiro, onde uma pequena mó rodava, rodava, moendo uns baguinhos de milho que iam caindo, caindo… Ninguém por perto. Era um pequeno moinho de água, um encanto! Isto para dizer que outros pequenos moinhos de água podem ter existido nos diversos lugares da freguesia de São Domingos, nas propriedades privadas, dos quais hoje ninguém se recorda, senão os seus sucessores. E, para rematar este parágrafo, uma outra referência hídrica: o ribeiro do Fontão fez mover o lagar de azeite do Dordio e as águas vindas das vertentes do Carregal Cimeiro fizeram trabalhar o lagar de azeite do Porto-Carro.

Custos.
Certamente que os da ribeira, com cerca de quinze pontes (do Cavalete aos Linhares), foram bem superiores. Mas é claro que os ribeiros também tiveram os seus custos. Basta anotar a quantidade de pontes, aquedutos, manilhas neles existentes por todo o lado. E se alguns ribeiros desaguam na ribeira de forma natural, já outros careceram de obras de adaptação. É o caso do ribeiro do Amial a que as «Rocas» implicaram uma adequada foz em «S». Enquanto o ribeiro do Conqueiro atravessa a vila quase sempre em túnel, desde a Eira Velha (Casa Côvado) até à ribeira, a jusante das «Rocas».

Museu.
Estes moinhos de água encontram-se hoje desactivados, senão mesmo em estado de ruinas. Deles não existe um inventário. Não há um único tornado peça de museu. Mas pelo menos ainda será possível restaurar a sua memória e das suas ruinas extrair algumas fotos. E haverá, porventura, casas em que ainda se guarde algum raro documento desses tempos dos turnos rega, da água em «correição». A disponibilidade e publicação deste material nas redes sociais, constituiria um «museu virtual» que, certamente, teria os seus interessados visitantes. Se a ideia germinar então este espaço valeu um tesouro!

Francisco H. Neves



Texto original em  O RIBEIRA DE PERA :