segunda-feira, 5 de outubro de 2020

 




Castanheira de Pera in Pedrógão Grande durante 700 anos (1206/1914)

Que não nos anteriores 70 anos da herdade (1135/1206)

 

 

1). Território. O território do atual concelho de Castanheira de Pera (freguesias de Castanheira de Pera e Coentral) fez parte integrante do vizinho concelho de Pedrógão Grande durante mais de 700 anos. Desde 1206, ano do foral de Pedrógão em cujo termo W ficou, até à desanexação em 1914. Em rigor foram 706 anos, já descontando os dois anos transitórios (1895/1898) em que foi integrado no concelho de Figueiró dos Vinhos. É uma ideia a reter. Sempre são 700 anos de História deste espaço.      

 

2). Herdade. Coisa diferente se passou nos anteriores 70 anos da herdade (1135-1206= -71). Vários sítios veiculam a interpretação romântica segundo a qual a «herdade de Pedrógão de 1135» abrangia também o território das atuais freguesias de Castanheira de Pera e Coentral.

Negativo. A herdade de Pedrógão não incluía parcela alguma do território castanheirense. Nem incluía o território da vizinha freguesia de Campelo, território que aliás no ano seguinte (1136) ficou a foro de Miranda onde se manteve durante séculos, até ao liberalismo. Isto releva porque não adianta procurar distante da herdade um elemento confinante com a herdade (mosteiro).

 

3). Limites. Já discorremos sobre esta matéria. (Link 1). Hoje trazemos elementos complementares.  Recuperemos então os limites da «herdade de Pedrógão de 1135», latifúndio que D. Afonso Henriques doara a três nobres (Uzberto, Mónio Martins e Fernando Martins), por serviços prestados e a prestar.

 

Texto latino: «Habet enim terminos per montem qui vocatur Signum Salomon et inde per cimalias de Alvares ac deinde per cimalias de Sonieir et inde per cimalias Ameoso ac deinceps per cimalias de Squalos et inde per cimalias de Salzeda et per cimalias de Nadavi ac deinde ad monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar et inde unde primus incoavit».

 

Tradução: «Tem os seguintes limites: pelo monte que chamam do Signo Saimão, e pela cumeada de Alvares, e pelas de Sonieir, de Amioso, de Escalos, de Salzedas e de Ana de Avis; daí vai ao mosteiro de Alge, desce pela ribeira do mesmo nome até à confluência com o rio Zêzere e vai por este até ao ponto onde começou». Sendo que: «Amioso, Escalos, Salzedas (ou Sarzedas) e Ana de Avis são topónimos que se mantêm».

 

Atualmente (2020) existem meios eletrónicos de medição e demarcação de grandes propriedades agrárias. Todavia, vamos ainda assistir aos trabalhos dos antigos engenheiros agrimensores e sua cadeia do agrimensor.

 

4) Visto de Pedrógão. Posicionado na vila de Pedrógão Grande, o observador / intérprete verá o engenheiro agrimensor fixar o cabo da sua cadeia no monte sinal de Salomão (Penedo) e daí desenvolvê-la sucessivamente, pelo cume de Alvares, pelo cume Sonier, pelo cume de Amioso, pelo cume dos Escalos, pelo cume de Sarzedas,  pelo cume de Aldeia de Ana de Aviz, pelo mosteiro da ribeira de Alge,  pela foz da ribeira de Alge no Zêzere e  por este rio acima até ao ponto onde começou. Com assim ficando demarcado, nos seus contornos, o perímetro da herdade. Resultado: nenhuma parcela do atual concelho de Castanheira de Pera se mostra contida neste perímetro. Há só linhas confinantes. Outrossim não incluído o território da freguesia de Campelo.   

 

5) Visto da Castanheira.  À mesma conclusão chegará o observador / intérprete, quando posicionado na vila de Castanheira de Pera.  Daqui ele verá o engenheiro agrimensor fixar o cabo da sua corrente no pico do Trevim e daí desenvolvê-la, sucessivamente, pelo cume do Santo António da Neve - pelo cume da Safra – pelo cume da Gestosa – pelo cume das Fontes - pelo cume do Vermelho / Esqualos - pelo cume das Sarzedas / Salaborda e daí até ao cume de Aldeia de Ana de Aviz. Resultado: a herdade de Pedrógão situa-se a oriente desta linha, embora em parte confinante. Decerto não se duvidará que a cumeeira Trevim – Santo António da Neve - Safra – Gestosa – Fontes - Vermelho – Sarzedas - constitui uma ossatura, uma aba, uma falda integrante da Serra da Lousã. É Serra da Lousã. (Link 2).  E concretiza no terreno a teoria genérica dos autores que referem ir a herdade de Pedrógão «desde a Serra da Lousã até ao Zêzere».

 

6). Escopo da missão. Também por aqui se compreende a não inclusão na herdade.  É que doador e donatários eram nobres, militares. A herdade situava-se ao longo da margem direita do rio Zêzere, cuja defesa militar visavam.  Não seria do vale da ribeira de Pera que se vigiavam as margens do rio Zêzere…

Quanto ao mosteiro (monasterium de Algia), entre militares e naquele tempo, teria também função militar. Situar-se-ia num morro (entre Aldeia Ana de Aviz e a foz da ribeira de Alge) com mira para o rio Zêzere. “Algia” significava nesse tempo «ribeira fria» (do latino «algeo», ter frio).

A doação da herdade viera a ficar sem efeito (reversão), visto que voltou a ser objeto da doação de D. Sancho I a D. Pedro Afonso no ano de 1200.   Ainda não se conhece a motivação. Mas sabe-se que a partir de 1135 as ações militares se sucederam no terreno. A batalha de Ourique (1139) e, mormente, as tomadas de Santarém e Lisboa (1147) de que resultou significativo aumento do território. Os três nobres donatários da herdade estavam dentre «os mais dilectos cavaleiros» de D. Afonso Henriques. Decerto o acompanharam nessas operações. Terão sido compensados e investidos noutros cargos militares. E desligados da missão Pedrógão. É o que se afigura mais provável, mas obviamente, carecido de confirmação.

 

7). Herança. Apesar de não integrar a herdade o território castanheirense acabou por ser «herdeiro» da herdade.

Desde logo a linha divisória entre os dois concelhos (Castanheira de Pera / Pedrógão Grande). A linha divisória 2020 é sensivelmente igual à linha divisória 1135.

Depois o topónimo Sarzedas. Se era povoado ou local rústico não se sabe, mas constitui hoje (2020) a menção escrita mais antiga conhecida na toponímia concelhia.

Do tempo da herdade ficou ainda a «estrada de Santarem», trilho militar porventura de relevo aquando das ações militares a Santarém (1147,1184). (Link 3).

 

8. Foral.  A «estrada de Santarém» com a sua carga militar envolvente e a ribeira de Pera com a sua bacia hidrográfica unificadora terão porventura constituído factos de relevo na chancelaria régia  - D. Sancho I e  D. Pedro Afonso - para a inclusão deste espaço (depois freguesias de Castanheira de Pera e Coentral) no foral de Pedrógão de 1206, em cujo termo W se manteve  durante mais de 700 anos.

 

Francisco H. Neves  

 


 





Link 1 - O Ribeira de Pera  


Link 2 =  Falda

 

Link 3=  O Ribeira de Pera