sexta-feira, 31 de dezembro de 2021



dentre o movimento local de 
presbíteros no liberalismo


 

1844. Negócios Eclesiásticos. «Presbytero João José Deniz Pereira - Foi apresentado na igreja de Nossa Senhora da Assumpção da vila de Pedrogão Grande, no bispado de Coimbra, por decreto de 10 de novembro. Informa o governador vigário capitular da diocese, em ofício de 27 de fevereiro de 1841, que o agraciado tem paroquiado desde 1832 a igreja de S. Domingos da Castanheira de Pedrogão, desempenhando os seus deveres com aptidão e dignidade; e que as informações que a seu respeito recebeu de diversas autoridades são concordes em abonar a sua conduta moral, civil e política; e que, portanto, o julga merecedor da graça que obteve». (DG nº 109 de 9/5/1844. pág. 605).  (1)

 

1855.  Negócios Eclesiásticos.  «Sua Majestade El-Rei, Regente em Nome do Rei, em vista das informações e parecer do reverendo Arcebispo Bispo de Coimbra : Há por bem Resolver, que se abra concurso para o provimento paroquial da igreja de S. Domingos da Castanheira, no concelho de Pedrógão Grande, no bispado de Coimbra; observando-se, quanto aos actos do concurso, o que se acha determinado na Portaria-circular de 30 de Agosto de 1847 (Diário nº 205); e pelo que respeita ao prazo deles, o que se dispôs na Portaria de 12 de Maio de 1849 (Diário nº 113). O que o Mesmo Augusto Senhor Manda assim participar ao reverendo Arcebispo Bispo de Coimbra, para sua inteligência e mais efeitos. Paço das Necessidades, em 24 de janeiro de 1855. Frederico Guilherme da Silva Pereira».  (DG nº 24 de 27/1/1855 – 1ª página, a abrir).  (2)

 

1857.  Instrução Pública. «11- Doutor José da Encarnação Coelho, substituto ordinário mais antigo da faculdade de teologia da Universidade de Coimbra - promovido ao lugar de lente catedrático da mesma faculdade, vago pelo falecimento do Doutor António Belarmino Corrêa da Fonseca».  (DG nº 299 de 19/12/1857 – 1ª pág.)  (3)

 

1859. Contencioso Administrativo. Recurso interposto para o Conselho de Estado do acórdão do Conselho Distrital de Leiria. Recorrente o Presbytero Manuel Joaquim Rodrigues Corrêa, pároco da paróquia de São Domingos da Castanheira, concelho de Pedrógão Grande, por questões de côngrua, pé de altar e derrama.   Recorridos os paroquianos da freguesia. Texto integral da decisão real proferida no Paço das Necessidades em 15/12/1858 (Rei D. Pedro V). (DG nº 48 - 25/2/1859, pág. 250). (4)

 

1864. Negócios Eclesiásticos. «Por portaria de 14/10/1864 presbítero Manuel Agostinho Barreto, bacharel formado em teologia – nomeado professor de ciências eclesiásticas no Seminário de Lamego».  (DG nº 237 de 20/10/1864 – Iª pág.)

1866.  Negócios Eclesiásticos. «O Presbytero Manuel Agostinho Barreto, bacharel formado em teologia – apresentado em um canonicato, vago na sé catedral do bispado de Lamego, tendo anexa a obrigação do ensino das disciplinas eclesiásticas no respetivo seminário diocesano pelo prazo de doze anos». (DL 199 - 4/9/1866 - 1ª pág.) (5)

 

1890. Ministério do Ultramar. «Atendendo às circunstâncias que concorrem no Presbytero Eduardo Pereira da Silva Correia, capelão em Castanheira de Pera, concelho de Pedrógão Grande, bispado de Coimbra: hei por bem conceder-lhe as honras de cónego da sé catedral de Luanda. O ministro e secretário d’Estado dos negócios da marinha e ultramar assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 22 de maio de 1890. =REI= Júlio Marques de Vilhena». («DG 116 - 24/5/1890, pág. 1171). (6)

 

1.       DIGIGOV (cepese.pt)

2.       DIGIGOV (cepese.pt)

3.       DIGIGOV (cepese.pt)

4.       DIGIGOV (cepese.pt)

5.       DIGIGOV (cepese.pt)

6.       DIGIGOV (cepese.pt)

 

Notas finais:

Na página eletrónica os links dos «Diários do Governo» (DG) abrem todos no dia 1 do mês. Depois, em cima, nas ferramentas do portal, seguir para o dia ou número indicado. No liberalismo a «Constituição Civil do Clero», vinda da revolução francesa, fez dos párocos e dos bispos funcionários públicos. |O Prof. Dr. José da Encarnação Coelho era natural de Castanheira de Pera, (1815-1866). O Padre Manuel Joaquim Rodrigues Correia era natural de Castanheira de Pera. Em 1891 foi-lhe reconhecido o direito à aposentação (DG 262 de 19/11/1891 (pág. 2805)).  À data de 5/1/1891 tinha 67 anos.  D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911) era natural do Coentral Grande e foi Bispo do Funchal (1877-1911), donde chegou a ser tido para o bispado do Algarve, na vacância deste (1871-1884), (Google: Lusitania Sacra 39 (janeiro-junho 2019) 61-86, Adélio Fernando Abreu). |O Dr. Eduardo Pereira da Silva Correia era natural de Castanheira de Pera (1863/1927). Em 1901 foi-lhe reconhecido o direito à aposentação, (DG nº 246 de 31/10/1901 (1ª pág.). Em 4 de Julho de 1914 tomou posse como Presidente da Comissão Instaladora do concelho de Castanheira de Pera, criado em 17 de junho de 1914 pela Lei nº 203 e do qual veio a ser o 1º Presidente da Câmara eleito na I República. 

Link: Lusitania Sacra  

                                                                                                                                                          Francisco H. Neves 



quinta-feira, 8 de julho de 2021

Serra da Lousã. Coentral. Aqui ganhamos todos!

                        

1467 

A sentença de D. Afonso V sobre os montados na Serra da Lousã

Lousã ganha - Pastores perdem 




1||Causa. No dia 16 de maio de 1467 em Lisboa e no Tribunal da Corte de D. Afonso V «O Africano» (reinado 1438-1481)1 foi proferida sentença num recurso de apelação interposto da decisão dos juízes da Lousã, num processo cível em que eram autores (AA) o «Concelho» da Lousã e em que eram réus (RR) cinco casais de pastores (rectius proprietários dos rebanhos) dois dos Coentrais, dois de Pera e um da Ervideira, todos do termo do Pedrógão.

O texto encontra-se publicado na Monografia do Concelho de Castanheira de Pera e on line Google vg: Câmara Municipal Lousã - documento PDF 12985972 – Yumpu.

A questão teve a ver com pastagens nos montados da serra da Lousã.

Durante muitas dezenas de anos, sucessivamente, bisavós, avós, pais, sempre os pastores dos Coentrais, Pera e Ervideira pastorearam livremente os seus rebanhos pelos montados da serra da Lousã.

Indiferentes a uma linha divisória existente no alto da serra, sensivelmente igual à de hoje, definida no foral de Pedrógão de 1206 pela «estrada que conduz a Santarém».

Do lado de lá, a poente, o termo da Lousã.

Do lado de cá, a nascente, o termo do Pedrógão. 2

Os pastores moravam e tinham todas as suas propriedades móveis e imóveis, herdadas ou adquiridas nos Coentrais, Pera e Ervideira, no termo do Pedrógão, de cujo concelho eram vizinhos.

Os montados «da serra do Trevim e da Horta até à Cruz de Espinho» situavam-se no termo da Lousã, cujo foral data de 1151.

Entretanto as ordenações vão evoluindo, provavelmente os rebanhos crescendo, até que em data imprecisa, mas que obviamente se situa antes da sentença real, o concelho da Lousã, pondo fim à tolerância, deliberou notificar os pastores para, em alternativa: retirarem o gado dos montados da «serra do Trevim – Horta – Cruz de Espinho» para o termo do Pedrógão ou constituir avenças.  Retirar ou avençar.

Citados para responder à pretensão, compareceram todos (AA e RR) perante os juízes da Lousã. Houve conferência, exposição de motivos e razões. Sem acordo. Então os juízes decidiram logo não haver os pastores por vizinhos, multar os seus gados «ou (que) fizessem avenças». Em síntese: retirar ou avençar.  3

Inconformados os pastores interpuseram recurso de apelação para o Rei.

O recurso foi recebido no Tribunal da Corte pelo sobrejuiz que ordenou a formalização do processo com o libelo dos AA, contestação dos RR, produção de prova, inquirições, alegações de direito e por fim o processo é concluso para decisão.

E, decidindo, o rei D. Afonso V, pelo Tribunal da Corte, sentencia:  

·        Não haver os pastores por «vizinhos» da Lousã;

·        Proibi-los de montar com os seus gados o termo da Lousã;

·        Sob pena de multa de X reais por cabeça (especificado);

·        Condená-los nas custas de parte a favor da Lousã em 1066 reais;

·        E nas custas do processo a contar;

·        Mandatar os juízes da Lousã para lhes penhorar bens moveis e se não bastar vender a raiz.

·        Introduzir nas avenças o princípio da equidade. 

Perante isto é óbvio que os pastores perderam a causa. Jogaram tudo na usucapião - posse do uso e fruição daqueles montados durante cerca de cem anos, sem contradita alguma - mas a exceção improcedeu, porque seus pais, avós e bisavós também não tinham o estatuto de vizinhos da Lousã, para o deixar em herança.  E a jurisdição é um direito público que não se adquire por usucapião. A usucapião de um logradouro comum podia funcionar, mas dentro da mesma jurisdição. Na «Carta de Sentença» endereçada aos juízes da Lousã o tribunal real é claro logo a abrir a decisão: «acordámos que é bem julgado por vós em não haverdes os réus por vizinhos…».  


2|Montádigo. Esta questão dos «vizinhos» continha à época fundada motivação. Ter-se-á tornado incómodo ao «concilium» da Lousã, sem receber montádigo, ver pastores criar gado em montados seus, sob sua jurisdição e depois irem pagar impostos ao concelho de Pedrógão. Que não só ao concelho, também a dízima ao clero e os tributos ao «senhor». No regime senhorial os forais reservavam parte do território para fruição comum dos seus vizinhos (pastagens, lenhas, águas, matos). Donde os termos da Lousã para os vizinhos da Lousã; os termos do Pedrógão para os vizinhos do Pedrógão. Os pastores não vizinhos, como nos casos de transumância e neste agora, estavam sujeitos ao imposto de montádigo a pagar ao concelho ou ao «senhor»,4 conforme o caso. E aqui o cerne da questão das avenças. No regime senhorial o estatuto dos vizinhos não estava na proximidade, mas na titularidade de interesses comuns. Tinham o estatuto político de vizinhos todos os homens livres moradores na área do mesmo foral, (vg agricultores, pastores, mesteirais, almocreves). Cada foral tinha os seus vizinhos.5 Algo equivalente aos munícipes ou eleitores de hoje.  

 

3|Equidade. Como se alcança do relatório da sentença real, a via das avenças esteve sempre aberta do lado do «concelho» da Lousã. E aberta continuou mandando, porém, o tribunal real: «aos autores que com temperança façam suas avenças com os réus quando lhes licença derem para montar e não os queiram asperamente tratar acerca das suas avenças». Isto é, quando «se acordem acerca do dito montado e pasto».

O mandado real não obriga alguém a fazer avenças. Apenas introduz no negócio o princípio jurídico da equidade, decerto atento a que no regime senhorial camponeses e pastores já viviam debaixo duma teia de impostos, rendas e tributos. E prevenindo eventual tentativa de revanche negocial. Ignora-se o que depois se passou mas, perante a disponibilidade da Lousã, a iniciativa para avençar ou não avençar continuara do lado dos pastores.  

 

4|Patrocínio. No tribunal da corte os procuradores das partes analisaram as provas produzidas e alegaram de direito. Houve juristas (advogados) no processo. Quem terá patrocinado a defesa dos pastores?  Só conhecendo o processo se poderia saber. Mas é de admitir ter sido alguém com interesse direto na causa. Ou o «concelho» ou o «senhor» de Pedrógão, porque diminuindo a criação de gado, poderiam diminuir os impostos e tributos a pagar. Nas questões comuns era um «senhor» que mediatizava os seus súbditos com a corte.

 

5|Feito.  No séc. XX celebrou-se a temperança real e dos pastores o feito. Porventura nem sempre coincidente do Séc. XV o ânimo dos pastores resultante do feito.

Francisco H. Neves

                                              _____________                                                                

Notas de fim:


1| Tabeliães. Tempo em que todo o reino já estava dotado de tabeliães. Oficiais alfabetizados nomeados pelo rei, em cuja chancelaria régia prestavam provas, juramento e tomavam posse. A sua função base era lavrar as escrituras privadas no paço dos tabeliães. Mas serviam também nas audiências dos juízes do concelho, lavrando as atas e transcrevendo as decisões proferidas oralmente. Das sentenças o tabelião passava «carta de sentença»; ou «carta de razões» havendo recurso. No caso dos pastores o tabelião da Lousã passou «carta de razões». Outra importante função dos tabeliães era dar publicidade às leis. Nesse tempo ainda não existia jornal oficial, nem imprensa. Tudo manuscrito. Os originais das Leis eram depositados na Chancelaria Régia, donde se extraiam cópias.  Eram os tabeliães que, por todo o reino, as registavam nos livros e as liam em público, algumas ou muitas vezes. Tempo em que o cronista Fernão Lopes (1380-1460), que também fora tabelião, se aposenta do cargo de guarda-mor da Torre do Tombo (1454). E para lhe suceder é nomeado Gomes Eanes de Zurara (1410-1474). Ambos agraciados por D. Afonso V.)  


2| Termo. O conceito de termo pode ser tomado em dois sentidos. Em sentido formal é a linha divisória em redor do território (perímetro) e que corresponde hoje ao limite do concelho. Em sentido substancial abrangia parte do próprio território. As povoações que ficavam mais próximas da linha divisória eram povoações dos termos. Assim, as povoações dos Coentrais, Castanheira, Vila Facaia e Graça eram povoações dos termos do Pedrógão. 


3|Juizes. Os juízes concelhios eram eleitos pelos vizinhos dentre si. O porteiro do município é que citava pessoalmente os demandados. (Porteiro no sentido de portador dos mandados). Ninguém sabia ler. A decisão destes juízes era proferida oralmente. O tabelião é que lavrava as actas, escrevia e lia a decisão tomada. E organizava a «Carta de Razões», no caso de recurso. «Apelação» era o ato de recorrer, «Agravo» a motivação escrita). 


4| «Senhor». Num trabalho académico denominado «Entre Zêzere e Tejo propriedade e povoamento sec. XII-XIV», disponível on line, é referido o caso de troca de vilas, em que a um «senhor» na Sobreira Formosa «ficou reservado o direito sobre maninhos, montados e locais ermos, ainda que o acordo garantisse aos moradores da vila e termo o acesso a esses espaços», (pag.190).  Isto permitia-lhe cobrar montádigo a não vizinhos e a negociar a todo o tempo o seu direito. |Outros pontos tocantes neste trabalho académico: Foral de Pedro Afonso, (34, 76). Ponte romana do Cabril, (29, 34, 173, 278, 285, 319). Veados e javalis estragam (239, 260). Sinos e adro da igreja, (293). Jantar do bispo (160).  Montádigo (135, 205, 250/253). Tabeliães (150). Conceito medieval de «novamente» (318).


5| Vizinhos. O instituto político dos vizinhos medievais já vem de longe.  Remonta a| Às assembleias de vizinhos, «conventus publicus vicinorum» do tempo dos Visigodos, quando os nativos rurais se reuniam para tratar de assuntos vicinais, dentro do terço das piores terras que lhes deixaram (sortes gothicae et tertia Romanorum). b| Às assembleias de vizinhos no tempo dos Mouros, quando os Visigodos desertaram e o povo emerge como classe social: hortelãos, mercadores, mesteirais todos exercem livremente o seu mister, sem «senhor» por cima, mas em que nas aldeias e vilas havia assuntos comuns a tratar (vg. regadio, cereais, justiça, segurança). Para discutir e deliberar reuniam-se em assembleia ao ar livre em «conventus publicus vicinorum». C| Assembleias de vizinhos que se mantiveram nos forais políticos do começo da nacionalidade.  Os Visigodos voltam na «reconquista», tomam de presúria todas as terras, que dividem entre si.  É então que um «senhor», nobre ou eclesiástico (a troco de honras, rendas, tributos e serviços) concede foral (sede de concelho) a uma povoação aberta, murada ou acastelada. Têm o estatuto político de vizinhos todos os homens livres moradores na área do foral. Para tratar de assuntos comuns reúnem-se em «concilium» (assembleia) e daí o termo «concelho» de hoje. Primeiro no adro das igrejas ou na praça pública, depois dentro de uma sala ou «camara» e daí o conceito «Câmara» de hoje. (Ao lado dos «forais políticos» houve «forais agrários» (enfiteuse)). fn

 


(Texto in  O RIBEIRA DE PERA  edição impressa de 30 de Junho de 2021)

 


 

domingo, 28 de fevereiro de 2021


«Selada de Pera  Ribeira de Pera  Castanheira de Pera» documental


Versão Grande Enciclopédia / Horizontes da Memória 2001 incompatível




A| Selada de Pera   Ribeira de Pera  

A classificação de uma massa de água como rio ou ribeira depende da autoridade administrativa. A ribeira de Pera (dantes rio Pera) nasce na Serra da Lousã, freguesia do Coentral, mais precisamente na Selada de Pera (Porto Ervideiro), próximo do Santo António da Neve e desagua no rio Zêzere, junto da ponte filipina, em Pedrógão Grande. Tem como afluentes na margem direita: ribeira de Cavalete, ribeiro Sapateiro, ribeiro do Amial, ribeiro do Fontão, ribeiro do Carregal (Cimeiro e Fundeiro), ribeiro do Porto-Figueiró (Balsa, Sarzedas, Vale das Mós). E na margem esquerda: ribeira das Quelhas, ribeiro das Botelhas, ribeiro do Gestosa (Cimeira, Fundeira, Torno). «Selada» e «porto» são topográficos. Selada resulta do étimo latino sela + ada que significa concavidade oblonga numa montanha, (montanha com aspeto de sela). «Porto» significa passagem entre duas elevações.  «Pera» vem do étimo latino petra (petra, pedra, pera) e «Ervideiro» tem a ver com vegetação. O lugar da nascente (Selada de Pera) deu o nome à ribeira de Pera. Com efeito,   

1| Desde 1751 que o «Dicionário Geográfico ou Notícia Histórica» do P. Luiz Cardoso, Tomo II /663 regista: «COENTRAL - Lugar...Bispado de Coimbra…termo de Pedrógão Grande…Orago N.S. Nazaré…Passa por aqui o rio Pera». Link 1  

2| Em 1762, no tomo 1º/135 do «Mapa de Portugal Antigo e Moderno», o P. João Baptista de Castro recordava: «PERA - É rio menor que o Zêzere onde se embebe; cerca a vila de Pedrógão. Deste rio se lembra Camões. (Cam. 12, eft 2). 2  (Nota - Canção na «Monografia do concelho»). 

3| No seguimento do terramoto de 1755 o 1º ministro de D. José (Marquês de Pombal) ordenou um inquérito a todas as paróquias do continente, através dos bispos diocesanos. Daí resultaram as Memórias Paroquiais de 1758.  No tocante ao Coentral o relatório é sumário. Ainda assim dele resulta que: 

«COENTRAL - É aldeia e paróquia do termo de Pedrógão Grande…Igreja Matriz…Senhora da Nazaré…cabido de Coimbra. É regada pelo rio Pera».3 Quanto à Paróquia de S. Domingos da Castanheira o relatório do P. Cura Luís Thomaz Denis é circunstanciado e preciso: 

«CASTANHEIRA - Quanto à ribeira que há nesta freguesia: se chama ribeira de Pera que nasce onde chamam a Selada de Pera, de onde entendo tomou seu nome». «Corre dos Coentrais e passando junto dos lugares de Pera, Bolo, Palheira, Sapateira, Castanheira, Moita, Mosteiro se junta com o rio Zêzere onde fenece».4  (Nota – Texto integral na «Monografia do Concelho»).

4| Em 1874, no volume II/314 do «Portugal Antigo e Moderno», o historiador Pinho Leal confirma: «COENTRAL - Freguesia…concelho de Pedrógão Grande…Orago N.S. Nazaré…Cabido da Sé de Coimbra…Passa aqui o Rio Pera». 5 

5| Em 1878 no «Dicionário Corográfico do Reino de Portugal» (pag.137) o P. Agostinho Rodrigues de Andrade, estando em Pedrógão anota: «PEDRÓGÃO GRANDE… vila… situada na margem direita do Zêzere e junto da foz da ribeira de Pera. Fica-lhe ao norte a serra do Coentral».

6| Mais recentemente (1936), o vol. V/566 do «Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular», da autoria de Américo Costa, regista:  «COENTRAL - Povoação e freguesia de N.S. da Nazaré…concelho de Castanheira de Pera. Está situada na aba da serra da Lousã, nos caminhos para…lugar do Santo António da Neve e próximo da nascente Ribeira de Pera, afluente do rio Zêzere».   

Resumindo: Nas «Memória Paroquiais» o P. Luis Thomaz Denis é claro: “E quanto a ribeira que há nesta freguesia: se chama ribeira de Pera que nasce onde chamam a Selada de Pera, de onde entendo tomou seu nome”. (Sendo que este «entendo» significa que a resposta é ponderada). «…corre dos Coentrais…Se junta com o rio Zêzere onde fenece».  Também na mesma ocasião, o pároco do Coentral testemunha que a aldeia «é regada pelo rio Pera». Já antes (1751) o P. Luis Cardoso, descrevendo o Coentral registara: «Passa por aqui o rio Pera». E 123 anos depois (em 1874) Pinho Leal, atualizando o Coentral, confirma «Passa por aqui o rio Pera».  Mais recentemente (1936) Américo Costa especifica a nascente da Ribeira de Pera na serra da Lousã, próximo do Santo António da Neve e ser afluente do rio Zêzere. Neste âmbito temporal de 185 anos (1751 – 1936) não é conhecido outro sentido. Então, conjugando estes elementos, podemos concluir que, quando esta massa de água desce do território da Paróquia de N. S. da Nazaré do Coentral para entrar o território da Paróquia de São Domingos da Castanheira, já leva consigo, firme e consolidada, a sua denominação: Ribeira de Pera até ao rio Zêzere). 

1. Fonte e nascente. De reverendo autor transcrevemos: «É certo que, em alguns casos, a nascente pode também ser fonte; mas são sempre coisas distintas, embora simultâneas ou juntas. Normalmente, a fonte está distanciada da nascente (e por vezes muito), como acontece em regra, v.g., com as fontes (fontenários) das vilas e cidades; as suas nascentes, em geral, estão a quilómetros de distância». «Nascente é o ponto do solo onde principia uma corrente de água («caput aquae»).

2. Na carta militar há um troço da ribeira de Pera identificado como ribeira do Coentral Grande. Também sinalizadas altitudes vulgarmente tidas como serra do Trevim, serra da Safra, serra da Gestosa, serra da Ortiga, oficial e globalmente integrantes da serra da Lousã. Pois que assim seja. Isto é relevante para fins operacionais, visto que quando diminui a extensão de uma ideia aumenta a sua compreensão. Sem confundir classificação (oficial, global), com classificativas (oficiosas, parcelares).

3. Ainda Coentral. Criada a paróquia foi dotada de um livro de registo de batizados, casamentos e óbitos «desta freguesia de N.S. da Nazaré dos Coentrais novamente erecta neste ano de 1691». O advérbio novamente significa aqui de novo. O Prof. Marcello Caetano, na sua História do Direito Português (Sec. XII – XVI), (Verbo), Cap. 5/93, a propósito dos abusos da nobreza na criação de novas honras (terras imunes) refere: «… queixam-se os povos de que são feitas honras novamente (isto é, honras novas, pois o adverbio «novamente» queria dizer então, «de novo», como coisa nova, pela primeira vez».  Notar que este «novamente» no Coentral se refere à freguesia e não ao templo.


B| Ribeira de Pera   Castanheira de Pera  

A ribeira de Pera, vinda do Coentral, preencheu com o seu nome todo este vale e foi durante séculos a grande referência regional deste espaço na diocese, nos municípios, nos tribunais. Recuperemos algumas dessas menções.  

1| Na diocese. A Paróquia de São Domingos da Castanheira foi criada em 1502 mediante três atos notariais. 1º|Em 15/11/1502 oito (8) moradores foram a Coimbra (Sé) assinar com os responsáveis diocesanos o contrato promessa da edificação da Igreja de S. Domingos com as condições e cláusulas inerentes à vida da nova paróquia. Perante tabelião e notário público de Coimbra que lavrou a escritura.  2º| Em 4/12/1502, à porta da Ermida de São Domingos na Castanheira, reuniram-se moradores de todos os lugares da futura paróquia para ratificar o que fora acordado em Coimbra. Moradores do Coentral (5), Pera Cimeira (5), Pera Fundeira (4), Amial (2), Castanheira (11), Troviscal (2), Fontão (1), Carregal Cimeiro (1), Carregal Fundeiro (1), Moita (2), Gestosa (4), Sarzedas (2).  O tabelião e notário público de Pedrógão Grande lavrou o documento.  3º| Por fim em 8/12/1502 dois moradores foram a Coimbra (Sé) apresentar às dignidades do cabido o documento ratificação, na presença do tabelião e notário público de Coimbra que lavrou instrumento em conformidade. Nestes três documentos sempre estes moradores foram tidos - seis vezes no primeiro, uma no segundo e três no terceiro - como moradores na Ribeira de Pera.  

Ou seja, moradores em: Coentral (da Ribeira de Pera), Pera (da Ribeira de Pera), Castanheira (da Ribeira de Pera), Moita (da Ribeira de Pera) e assim por diante.  (Nota –    Os três documentos estão transcritos na «Monografia do concelho»). 

Ainda na diocese e no tomo III/199 da «Corografia Portuguesa e Topográfica» (1712), o P. António Carvalho da Costa, estando em Pedrógão Grande descreve: «Vila… Cabido de Coimbra…Rios Zêzere e Pera…Termo…com 400 vizinhos que se dividem por estas freguesias: N. Senhora da Graça, Santa Catarina de Vila Facaia, S. Domingos da Ribeira de Pera».7 

2| Nos municípios. Em 1874, numa representação ao parlamento em defesa do traçado da linha férrea da Beira Alta, a Câmara da Lousã invoca, além do mais, «as muitas e florescentes fábricas de lanifícios da Ribeira de Pera, concelho de Pedrógão Grande». (DG nº 62 de 19/3/1874, pág. 414).  E em 1882, numa representação aos Dignos pares do reino, acerca da construção do caminho de ferro de Arganil, a Câmara de Condeixa invocava as «excelentes fábricas de lanifícios da Castanheira e da Ribeira de Pera» em defesa do seu traçado. (DG. nº 138 de 22/6/1882, pág. 1528). 8

3| Nos tribunais. Anúncios. Num processo instaurado na comarca de Penacova, correm éditos de 30 dias citando, entre outros, os credores da Ribeira de Pera, comarca de Pedrógão Grande, para deduzirem, querendo, o seu direito. (DG nº 273 de 2/12/1889, pág. 2788). 8 E noutro processo pendente na comarca de Arganil correm éditos de 30 dias citando credores certos e incertos para deduzirem os seus direitos, entre eles um certo da Moita da Ribeira de Pera, comarca de Figueiró dos Vinhos.  (DG nº 78 de 6/4/1905, pág. 1170).8 

4| «Castanheira do Pedrógão».  Não obstante esta grande notoriedade da ribeira de Pera o certo é que todo este espaço pertencia ao concelho de Pedrógão Grande (1206-1914).  E daí que a Castanheira fosse tida e havida como a «Castanheira do Pedrógão». Isto mesmo documenta o volume IV/1480 do mencionado «Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular» (1934) de Américo Costa, logo ao abrir o tópico: «CASTANHEIRA DE PERA (ou Castanheira de Pedrógão por ter pertencido ao concelho de Pedrógão Grande)». Este possessivo incomodava os liberais e industriais castanheirenses, nomeadamente António Alves Bebiano, (1831-1911), futuro visconde. Eles não queriam ser «Castanheira do Pedrógão», eles queriam ser Castanheira da sua ribeira, «Castanheira (da Ribeira) de Pera» como vinha desde 1502. Tanto mais que era da ribeira que colhiam a força motriz da florescente indústria. Foi então que, convertendo «Castanheira (da Ribeira) de Pera» em «Castanheira de Pera» passaram a identificar-se como industriais de Castanheira de Pera. Suprimindo-se o termo «ribeira» que fica subentendido (elipse gramatical) como nos demais hidrónimos).  

Outros hidrónimos: Arcos de Valdevez (rio Vez), Ponte de Lima (rio Lima), Ponte de Sor (rio Sor), São Pedro do Sul (rio Sul), Sever do Vouga (rio Vouga), Ferreira do Zêzere (rio Zêzere), Castanheira de Pera (rio Pera). 

 

5| Visconde de Castanheira de Pera.   a) A primeira vez que o topónimo «Castanheira de Pera» surge no jornal oficial foi em 1864 no então «Diário de Lisboa» (nº 281 de 13/12/1864, pág. 6), transcrevendo do jornal Conimbricense a notícia da inauguração da fábrica da Retorta9 b) Seguem-se no Diário do Governo em 1876 (15/9, 21/9 e 14/12) correspondências endereçadas a Castanheira de Pera, retidas por insuficiência de franquia. Possível acto deliberado para inserir o topónimo «Castanheira de Pera» no jornal oficial.10  c) Outra publicação ocorreu em 1879 quando foi conferido a António Alves Bebiano – Castanheira de Pera – o «Diploma de medalha de ouro», 3º grupo - «panos pretos» - numa exposição portuguesa no Rio de Janeiro, (DG nº 238 de 20/10/1879 – pág. 2457).10  d) O prestígio deste industrial crescia de tal modo que por decreto de 27/1/1881, publicado a abrir a 1ª página do Diário do Governo nº 61 de 18/3/1881, o rei D. Luiz concede-lhe o título de «Visconde de Castanheira de Pera», em vida.  

(Nota – o marcador do link 10 não captou este decreto. Sugere-se abrir qualquer DG e em cima nas ferramentas, seguir para: 1881 – março - nº 61 (18 de março)

Este decreto constitui um marco histórico na vigência do topónimo Castanheira de Pera que passou, logo no ano seguinte, a constar dos debates parlamentares da monarquia constitucional11 e das sucessivas publicações no «Diário do Governo».10 Aquando desta mercê (1881) o rei e a sua corte, o visconde e assessores era decerto com a ribeira de Pera e sua indústria que todos estavam sintonizados e naturalmente com as aldeias deste espaço donde provinham os braços que a laboravam.  A ribeira de Pera, cuja notabilidade tinha séculos – documentada desde 1502 – dava assim o nome oficial à povoação de Castanheira de Pera. Bem andou Américo Costa (1894-1937), autor do referido «Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular», (12 volumes), quando em 1934 no volume IV/1481, numa entrada de quatro páginas sobre Castanheira de Pera, deixou expresso: «Castanheira de Pera é banhada pela ribeira de Pera, razão do seu nome». 

6| Conclusão:  do acervo documental acumulado no âmbito temporal de 434 anos (1502 - 1936) resulta que a Selada de Pera deu o nome à Ribeira de Pera e a Ribeira de Pera deu o nome à atual vila de Castanheira de Pera.

 

C| Grande Enciclopédia. Horizontes da Memória  

Passemos à desconformidade. No volume 28/161 da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira consta a seguinte entrada: «SELADA DE PERA - Ribeira que nasce na freguesia do Coentral, concelho de Castanheira de Pera e é afluente da ribeira de Pera». E antes, no volume 21/69, estoutra: 

«PERA - «Lugar da freguesia de São Domingos, concelho de Castanheira de Pera. É um centro fabril de lanifícios e fiação. «Deu o nome á ribeira de Pera e à vila sede de concelho».  

Como vem expresso no volume 37/419, esta Grande Enciclopédia foi iniciada em 1935 e completada, na sua parte geral, em 1958.  

Entretanto em 2001, o Prof. José Hermano Saraiva (1919-2012) veio a Castanheira de Pera fazer o programa sobre o concelho, transmitido em 23/6/2001, mas que continua disponível em «RTP Arquivos – Horizontes da Memória – Onde o Vento Cheira a Rosas». Visualizando atentamente verifica-se que o programa segue, nesta parte, a mesma narrativa da entrada na Grande Enciclopédia 21/69 quanto à origem do nome da ribeira e da vila. O âmbito temporal destes dois eventos é de 66 anos (1935-2001). 

Ora, que dizer de tudo isto?

Dir-se-á que a nova versão contida no eixo temporal 1935 - 2001 é manifestamente incompatível com a anterior e documentada versão 1502 - 1936. E que, tal como está, sem fundamentação conhecida que a sustente, não pode ser acolhida.

Os actos culturais que vinculem historicamente uma comunidade estão sujeitos ao escrutínio dessa comunidade. A posição contida nas duas entradas na Grande Enciclopédia, se tomada em sentido romântico, ainda se poderia vislumbrar eventual ligação subjacente ao romance da “princesa peralta” inserto nos diálogos XIII e seguintes da «Miscellanea» de Miguel Leitão de Andrada (1553-1632). Mas não era esse o critério por que se regia o Prof. José Hermano Saraiva, como deixou patente lá em cima na pista de aviação a propósito do «penedo que caiu». Se hoje fosse possível colocar o historiador perante este quadro afigura-se que ele se sentiria incomodado. E teria, porventura, alguma conversa com a assessoria da produção. Porventura.   

Francisco H. Neves     

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Links :









8)  Ribeira de Pera.. (Seguir o DG indicado).

9)  Diário de Lisboa (Retorta)

10) Diário do Governo  (Seguir o DG indicado)

11) Debates Parlamentares («Relatório famoso»).


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Texto nosso in O RIBEIRA DE PERA edição impressa de 28 de Fevereiro de 2021
(Nota - Na edição impressa esta foto saiu por lapso trocada).









quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

 


 

 dia de amigos - dia de amigas - dia de compadres - dia de comadres - na literatura.

 Elvas - Ilha Terceira - Monchique – Sertã - Vila Nova do Paiva

 

Esta «Fraga» vem no seguimento da inserida em edição de 31/12/2019 e visa percorrer a escassa literatura nacional numa abordagem continuada ao «dia de amigos/as».

 

1| António Cabral. Douro. António Joaquim Magalhães Cabral, (1931-2007), escritor duriense (Link 1), autor de «Tradições Populares II», edição INATEL, 1999. No cap. 13 escreve: «As tradicionais folias carnavalescas das comadres e dos compadres ocorrem por via de regra, nas duas quintas-feiras que antecedem a terça-feira gorda, podendo em algumas localidades, compreender as duas quintas-feiras anteriores, segundo esta ordem: Amigos, Amigas, Compadres Comadres». Todavia, não fez constar os lugares das celebrações «amigas» e respectivos programas, o que seria interessante para memória futura. Ainda assim, regista: «...o costume… em Castelo (Sertã)… vem logo a seguir ao Dia de Reis».

  

2| Fonseca da Gama. Vila Nova do Paiva. Com prefácio de Aquilino Ribeiro (1885-1963), «Terras do Alto Paiva», Lamego, 1940», é uma obra culta, autoria do Cónego Manuel Fonseca da Gama, (1882-1950), acerca do concelho de Vila Nova do Paiva, geografia, história, vida e costumes regionais. (L2). E, dentre estes, no cap. XV, a seguir ao Natal, comenta: «Vem depois a quadra folgazã, bulhenta e barulhenta do Carnaval.  Onze dias antes da Septuagésima, na 5ª feira, é o dia de Amigos; na 5ª feira imediata, o das Amigas; na 5ª feira que precede a sexagésima é o dia dos Compadres; o das Comadres é a que antecede o domingo gordo. Não têm aqui outro significado, senão em se juntarem os amigos a fazer uma súcia animada. Pelos compadres é que as raparigas costumavam fazer uns bonecos de palha ...». Não factualiza o reverendo cónego o conteúdo da «súcia animada», mas tratar-se-ia duma ludicidade típica da quadra, incluindo uma pandegazinha queirosiana.  Nota – Neste livro ninguém fica indiferente à «sentença do juiz de Barrelas» (103), ao Prior do Crato homiziado em Fráguas (338), à paisagem da «Cintra da Serra» (321), além do mais.

 

3| Castanheira de Pera. Quando em 2015 se restaurou em Castanheira de Pera o «dia de amigos», ainda permanecia «in cloud» alguma reminiscência de coisa antiga...  E com fundamento!  O Cónego Fonseca da Gama, nesse seu livro «Terras do Alto Paiva», insere a abrir, «palavras prévias» de louvor à terra e, de permeio, certifica: «A Igreja com o seu mistério …  com as festas solenes de música e foguetes… mordomos ufanos da sua importância, enfrascados nos seus fatos de cheviote ou grossa casimira e jaleca de carapinha, fazenda que o Barros da Castanheira de Pera carregava em fortes machos e vendia de porta em porta, como o Cura a tirar o folar…».

Tratava-se de António de Barros, probo industrial de Castanheira de Pera (lanifícios), «patriarca» da família Barros (que viveu nas Vacalouras), que assim percorria as Beiras, por toda a parte fazendo amigos. Em terras do «Alto Paiva» integravam a tertúlia:  Aquilino Ribeiro – Fonseca da Gama – António de Barros. E terá sido por via deste empresário e seus assessores que o «dia de amigos» se presume importado para Castanheira de Pera. Hoje o seu bisneto Pedro Barros é aqui co restaurador (2015) e dinamizador deste «segundo tempo» da Amizade.  Afinal trazendo consigo o ADN do bisavô! 

 

4| Joaquim Nogueira. Sertã. Natural de Várzea dos Cavaleiros - Sertã, Joaquim Dias Nogueira, (1933 -   ), descreve no seu livro «Memórias de um Beirão da Zona do Pinhal», 2014, (L3), como eram vividas no seu tempo e na sua freguesia as quatro quintas-feiras anteriores ao «Entrudo»: quinta-feira de rapazes, quinta-feira de raparigas, quinta-feira de compadres e quinta-feira de comadres.  Na «quinta-feira de rapazes» estes, depois de bem comidos e bem bebidos (pandegazinha queirosiana) dirigiam-se a uma encosta defronte onde procediam à divisão do burro pelas raparigas da povoação. Na seguinte «quinta-feira das raparigas» estas juntavam-se na casa de uma delas para comentar a divisão. Gargalhadas, doces, aperitivos.  Os dias de compadres (sumo da uva) e comadres (chá e torradas) eram celebrações caseiras. Para maior desenvolvimento cf. «Animus Semper». (L4).  A propósito, dir-se-á que também pelo concelho de Castanheira de Pera, até há cerca de 40 anos, a «partilha do burro» era evento carnavalesco, ainda presente na memória dos maiores.

 

5| Veiga de Oliveira. Etnólogo. Ernesto Veiga de Oliveira, (1910-1990), conceituado etnólogo é o autor de «Festividades Cíclicas em Portugal», D. Quixote, Lisboa, 1984 (L5). No cap. 3 desenvolve os «Compadres» e as «Comadres» («ciclo do carnaval»), escrevendo: «De um modo geral o início do ciclo é impreciso, mas… no Castelo (Sertã) ele começa logo depois dos Reis…».| «Por vezes, como é o caso da Ilha Terceira (Açores) e em alguns raros lugares do continente, designadamente na Beira Alta, em Terras do Alto Paiva e em Monchique, e numa forma que corresponde porventura à cerimónia originária completa, a celebração compreende, além das quintas-feiras dos compadres e das comadres, mais duas quintas-feiras, que antecedem aquelas e que se chamam, por ordem de datas, quinta-feira de Amigos e quinta-feira de Amigas.

E, em notas de rodapé - pág. 21 e 52 - citando Van Gennep, amplia:  

«Em França, encontramos o paralelo destes costumes no Bourbonnais, por exemplo, onde se celebra a quinta-feira anterior ao carnaval como sendo o dia da festa dos rapazes, o domingo de carnaval como o das raparigas, a quinta-feira seguinte como o das mulheres e o primeiro domingo da quaresma como  o dos homens; em Mônetier-les-Bains, onde se celebram as quatro quintas-feiras anteriores ao carnaval, tal como entre nós, como sendo as dos rapazes, raparigas, pais e mães, respetivamente; e na Alsácia, onde além da festa dos amos, em domingo gordo, se celebram os dois primeiros domingos de quaresma, como sendo os dos rapazes e das raparigas».

Seguidamente cita localidades e variantes (norte a sul) dos compadres e comadres e, quase a final deste cap. 3, regista: «… em Elvas, nas Quintas-Feiras de «Comadres» e de «Amigas» (primeira e terceira semanas antes do carnaval), e nas de «Compadres» e de «Amigos» (segunda e quarta), as raparigas e os rapazes, respetivamente, reúnem-se em casa de uma delas e de um deles, comem, bebem, cantam…».  

 

6| José Gascon. Monchique. José António Guerreiro Gascon (1851-1950), publicou em 1919, na «Revista Lusitana», volume XXII, (L6), um artigo desenvolvido sobre «Festas e Costumes de Monchique», festas religiosas, costumes vários e, dentre estes, um sorteio de comadres e compadres. «E, como o tratamento de compadre é muito apreciado e preferido a qualquer outro…». E em exclamação final: «Pois se até na quaresma, além das quintas-feiras de amigos e d’amigas, uma quinta-feira de comadres e outra de comadres!». Contudo, o autor não refere o significado destes dias da amizade, decerto notórios ao tempo, mas sem memória futura. O texto foi depois transcrito no livro: «Subsídios para a Monografia de Monchique», (1957).

 

7| Manuel Andrade. Angra do Heroísmo. Na Ilha Terceira, Açores, pontificou Manuel Joaquim Andrade, (1879-1961), que em janeiro de 1918 inicia a publicação do «Almanaque do CAMPONEZ», onde logo fez eco destes eventos e seus programas:  dia de amigos (uma pandegazinha pacata); dia de amigas (confidencias no feminino); dia de compadres (filhoses e presente aos afilhados); dia de comadres (bulezinho de chá). «Almanaque do CAMPONEZ», cuja publicação se tem mantido ininterrupta até aos nossos dias, com já nas bancas a 104ª edição (2021). São mais de 100 anos a partilhar a chama da Amizade.  Contributo valioso para a dinâmica que estas tradições assumem em toda a Região Autónoma e sua diáspora. Caso ímpar a nível nacional! 

 

8| Dia de amigos. Programa. Fontes.  Hoje o dia de amigos tem feição visivelmente popular, mas a sua origem terá sido fidalgo-burguesa. Mutações várias ocorreram na última meia dúzia de gerações. O «programa» (jantar) provém do mundo pândego (pândega, pandegazinha, pandegaria), tão bem retratado pelos escritores naturalistas Eça de Queiroz e Aloísio de Azevedo, no último quartel do século XIX; mundo onde se insere um fino fidalgo açoriano (Carlos Fradique Mendes (1830-1888) neto da tradutora de Klopstock). Quanto às raízes, melhor dizendo agora, quanto às «fontes» o «funil de captação» é muito amplo, mas o essencial provirá do «dia de rapazes» e do desdobramento (ou não cumulação) do «dia de compadres». Com efeito:  a). Conversão do «dia de rapazes» em «dia de amigos», conceito mais chique como diria Dâmaso Salcede de «Os Maias» (1888). Paradigmático o «jantar de rapazes» que o conselheiro Acácio ofereceu, por sinal numa quinta-feira, a cinco convidados, mas que repetidas vezes (seis) trata de «meus amigos» (1878). Em suma: Jantar de rapazes = jantar de amigos. Outros jantares de rapazes houve no H. Universal.  b). Veiga de Oliveira in «Aspectos do compadrio em Portugal», (Separata. Dep. legal 49693/60), sobre compadres de batismo, enfatiza: «O tratamento de «compadres» entre os padrinhos e pais dos afilhados não é de uso geral, especialmente entre as classes elevadas…».  Ora, se estes compadres elevados não se têm como tal, então o seu lugar passará pelo dia de amigos. c). Compadres (parentesco) ultramontanos permanecendo no caseiro dia de compadres e compadres anticlericais a transitar para o dia de amigos. d). Compadres de carnaval. Geralmente confecção de bonecos, vestidos de homem (compadres) por parte das raparigas e de bonecas, vestidas de mulher (comadres), por parte dos rapazes. Exibidos por um grupo e de que o oposto se tenta apoderar. Por fim a queima dos bonecos, pretexto para testamentos jocosos e satíricos, assuadas, troças, pulhas, cujos excessos causaram protestos e zaragatas. O costume foi-se extinguindo e a rapaziada transitando para o dia de amigos. e). Ainda os inconvenientes do bródio caseiro, conforme referido na edição anterior (31/12/2019).

 

9|Em síntese: É escassa a literatura nacional sobre o dia de amigos/as. Campo aberto a antropólogos, etnólogos, sociólogos, investigadores. Arnold Van Gennep, (1873-1957) é o antropólogo mais citado por António Cabral e Veiga de Oliveira.

                                                                                                      Francisco H. Neves 




Link 1    ANTÓNIO CABRAL

Link 2    FONSECA DA GAMA

              FONSECA DA GAMA     

Link 3   JOAQUIM NOGUEIRA

              JOAQUIM NOGUEIRA

Link 4    ANIMUS SEMPER

Link 5   VEIGA DE OLIVEIRA

Link 6    REVISTA LUZITANA

Link 7    VAN GENNEP

Link 8    EDIÇÃO ANTERIOR

 



 Texto in O RIBEIRA DE PERA edição impressa de 31 de Dezembro de 2020