segunda-feira, 31 de dezembro de 2018



Castanheira de Pera
duas câmaras  -  duas fundações  -  dois dezassetes








1.- Duas listas, dois executivos 

Entre 1922 e 1926  o concelho de Castanheira de Pera viveu um agitado tempo político. O caso enfatua-se com as autárquicas de Novembro de 1922.  Duas listas oponentes (a democrática e a mixta) em que cada uma delas elege seis vereadores (Auditoria). Só que nunca foi possível constituir maioria de qualquer lista (6 + 1) porque os vereadores da outra lista ou não compareciam ou se afastavam.  É interposto recurso da Auditoria.  Entrementes  cada lista constitui o seu executivo. Ambas se têm por legítimas, negando a legitimidade da outra. Ficou conhecido como o «período das duas câmaras». Tempo agitado de ofícios telegramas, participações, reuniões, sessões, auditorias, recursos. Episódios com o livro de atas, chancela, selo branco,  abertura de portas. A situação arrasta-se no tempo (três anos), alegadamente, devido às delongas no Supremo Tribunal  em se conhecer do recurso interposto da auditoria administrativa.  

Senado. O caso chega ao Senado onde foi apresentado, discutido e votado o projeto de Lei nº 74, no sentido de ser nomeada uma comissão administrativa. O projeto foi, porém, rejeitado, com remissão para as leis ordinárias existentes. Mas o debate  foi vivo e interessante (nove senadores) e nele se dá conta, além do mais, de um parecer da PGR,  sobre a entrega de percentagens das contribuições, favorável a uma das listas. O debate foi transcrito no «Diário do Senado», sessão nº 57 de 14/5/1926 e está agora disponível on line, versão PDF, páginas 7 a 20. (Infra link 1). 
O impasse das «duas câmaras» terminou de forma indireta com a «Revolução de 28 de Maio», iniciada em Braga sob o comando do depois Marechal Gomes da Costa. Pelo Decreto nº 11.875 de 13/7/1926, foram dissolvidos todos os corpos administrativos do continente e ilhas adjacentes, (DG-I Série-150). (Link 2). 

Monografia. Para outros desenvolvimentos, nomeadamente locais, ver a «monografia do concelho de Castanheira de Pera» de Kalidás Barreto,  (3ª Edição, 2004, 166-175).  


2.- Duas datas da fundação do concelho.   

Outra raridade nacional do concelho de Castanheira de Pera é a existência de duas datas da fundação do concelho.  

·         Uma data oficial, legal, constitucional  = 17 de Junho de 1914 

·         Uma data oficiosa, romântica, literária  =  4 de Julho  de 1914  

Como assim ? Passemos então em revista: 
O concelho de Castanheira de Pera foi criado pela Lei 203 de 17 de Junho de 1914,  na mesma data 17 de Junho de 1914  publicada no jornal oficial (Imagem 1). 

Seguidamente, por Decreto de 27/6/1914, publicado no jornal oficial no dia 1 de Julho de 1914  foi nomeada uma comissão organizadora do concelho (imagem 2). 


E é esta comissão organizadora que, com pompa e circunstância, aqui  toma posse (instalação) no dia 4 de Julho de 1914, num ato solene tido ao tempo como de inauguração do concelho (imagem 3).  
(Ao tempo as leis entravam em vigor no terceiro dia após a sua publicação no jornal oficial. A posse não podia ter ocorrido antes).   




Imagem 1.
A lei  203 no jornal oficial de 17 de Junho de 1914.





Lei nº 203 . Destaque  





Imagem 2. 
Decreto nomeando a comissão instaladora, no jornal oficial de 1 de Julho de 1914 







Decreto. Destaque.
(Composição da comissão instaladora)






Imagem 3.
 Inauguração do concelho em 4 de Julho de 1914. 
(Imagem in «monografia do concelho» de Kalidás Barreto) 





2.1- Feriado municipal. No ano seguinte (1915) o poder local autárquico instituiu feriado municipal o dia «4 de Julho», para nele se comemorar a «fundação do concelho». Opção ratificada agora durante os «anos setenta». 

Só que, não sendo possível arrastar no calendário o «17 de Junho» para dentro do «4 de Julho», daí resulta um arco da fundação  entre duas datas.  «17 de Junho» (data da criação ) e  «4 de Julho» (data da comemoração).  Na primeira o animus (convicção) e na segunda o corpus (realização).  Mas isto implicava a comemoração das duas datas, ainda que simbolicamente. No limite o não apagamento de alguma delas.  Sucede, porém,  que o arco da fundação - qual arco-íris -  cedo deixou de se avistar no horizonte da festaria.  Com efeito,  



2.2- (Animus).  Da Lei 203 e do seu Decreto complementar nenhuma «imagem» se alcança nos corredores do município, nem no boletim municipal, nem na monografia. Nos cartazes  anuais do «4 de Julho»,  nenhuma referência ao «17 de Junho», nem mesmo nos mais emblemáticos (cinquentenário e centenário). E quanto ao site do município uma perplexidade.   



2.3- (Corpus).  Já quanto a eventos,  pelo menos com e depois do «cinquentenário»,  todos se têm concentrado no âmbito do «4 de Julho». Foi sempre o «4 de Julho»  a sair á rua.  A andar por aí em estradas e avenidas. Cortejos, palcos e arraiais. Tasquinhas e bares. Tertúlias, inaugurações, exposições, conferencias, eventos vários. Daqui transitou para a imprensa (jornais), instalou-se na literatura (livros) e nos sites de referencia. Enquanto o «17 de Junho» sempre se ficou  pelos gabinetes ou em arquivo. Nunca saiu à rua nem para um evento simbólico.  Quase ninguém o conhece.    



2.4- Consequências. Ora isto tem consequências cívicas e literárias. Há hoje (2018) cidadãos castanheirenses - jovens e adultos - com a convicção adquirida de ser o «4 de Julho» a  data da fundação do concelho. E há despachos na imprensa, na literatura e em sites de referência, consignando ser o «4 de Julho» a «data da criação» do concelho de Castanheira de Pera ! (Link 3). É o resultado típico  de comportamentos objetivos não explicados, (Art.º  236º nº 1 CC).


2.5- Juízo. E  perante isto que dirá um jurista?  Sem prejuízo das coisas românticas, dirá que os conceitos de «constituição, criação e fundação» são termos que aqui expressam a mesma ideia de inicio. São sinónimos jurídicos reais. E dirá que estando em vigor, como estão, os Art.º 1º  e  Art.º 4º da Lei nº 203 e a parte inicial do Decreto complementar, referidos, a data oficial da (constituição, criação, fundação) do concelho de Castanheira de Pera é o dia 17 de Junho de 1914, estando errado tudo o que em sentido diferente constar, mesmo  em repartições oficiais.  E só deixará de ser assim mediante uma alteração legislativa. A data terceira (4 de Julho) teria sido juridicamente impossível sem a data segunda (1 de Julho) e esta impossível sem a data primeira (17 de Junho) que é a data criadora. A data em que o jornal oficial  deu à luz o concelho de Castanheira de  Pera.



2.6- O site do município. Durante cerca de uma década a página eletrónica do município manteve on line esta perplexa informação :  



«A lei nº 203, que aprovava a criação do concelho, foi publicada no Diário do Governo, I série, nº 99, de 17 de Junho de 1914. Em 4 de Julho de 1914, é fundado o concelho de Castanheira de Pera».  



Com o devido respeito, esta mensagem continha três erros de interpretação. 


Primeiro: Na Lei nº 203 não há dois momentos (aprovar e criar). Há um só momento (criar). O outro (aprovar) ficou atrás com o projeto. Nem há anexo.


Segundo: O tempo verbal não é o imperfeito (criava), mas sim o perfeito (criou).


Terceiro: Em 4 de Julho de 1914 o concelho já estava fundado há dezasseis dias. Em 4 de Julho de 1914 o concelho foi inaugurado. Instalado.


Dito isto. O site oficial de um município deve proporcionar informação histórica segura, fidedigna, visto ser constante fonte de pesquisa por estudiosos, jornalistas, autores, escritores, mestrandos e doutorandos. Que não podem ser induzidos em erro por um sitio tido de confiança.

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 3.-  Dois dezassetes  (o direito e o avesso)  

Vimos então que o dia 17 de Junho de 1914 é a data oficial da criação do concelho de Castanheira de Pera.  Há mais de cem anos. Um marco histórico. É um  dia do direito. 
Já o recente dia 17 de Junho de 2017 foi um  dia do avesso.  O dia em que uma devastação fulminante (incêndio) deixou marcas profundas de luto e dor.  Dois substantivos de origem comum.  Dois dezassetes separadas por um século.  Todas as comunidades têm os seus dias do direito e do avesso. Fazem parte da sua História.   


4.-  Castanheira de Pera. Monarquia e I república.  

Encontra-se  atualmente  em linha o sitio dos «Debates Parlamentares», (Monarquia Constitucional, 1ª República, Estado Novo,  3ª República). Texto versão PDF. Interessante e surpreendente a riqueza da informação histórico-parlamentar da nossa região. Desde a monarquia  à atualidade. O trabalho dos nossos deputados e senadores. Projetos. Iniciativas. Episódios. Para alem do debate sobre as «duas Câmaras» (1926) e a fundação do concelho (1914),  ver-se-á dantes o projeto para transferir a sede de concelho para Castanheira (1893); a ideia de Alvares anexar o Coentral (1837); o episódio do nosso tenente-médico candidato, mandado apresentar em Lisboa e a posterior discussão entre os Dignos Pares do Reino (1901); o projeto de elevar Sarzedas de São Pedro  a freguesia,  (1916). E por aí adiante. Fica a sugestão. Monarquia e I república.  (Link 5).  
Para todos um Bom Ano.
Francisco H. Neves
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Clique para abrir :

Link 1 (Pág. 7 a 20) =  SENADO 
Link 2  =  DECRETO


Link 3  =  (Erros) 
Link 4  =  COINCIDENCIAS 

Link 5  = (Monarquia e I República)


Pompa e circunstância




(Texto base in  O RIBEIRA DE PERA  edição impressa de 31 de Dezembro de 2018)